Extraordinário na normalidade
MÁRIO DIAS foi vice-presidente do Benfica mas não era o típico dirigente, longe disso, porque a sua passagem pelo Benfica para coordenar a área do património teve uma missão específica: a construção do novo Estádio da Luz (e, mais tarde, o centro de estágios do Seixal). Tive, como mais um par de colegas, o privilégio de aprender muito com ele sobre a loucura (o termo não é exagerado) de construir um estádio de raiz num prazo de dois anos e dentro de um orçamento apertadíssimo à volta dos 115 milhões de euros (embora o número que mais se usava à data era o de 23 milhões de contos).
Recordo-me, durante uma reportagem no interior da gigantesca obra e por entre dezenas de operários das mais variadas nacionalidades, de deparar-me, em formato ampliado, com um artigo assinado por mim e pelo meu camarada Jorge Pessoa e Silva, a propósito de uma das empreitadas (penso que era sobre a cobertura), cujo título reportava uma determinada data prevista para a sua conclusão. Ao perguntar-lhe o motivo daquele gigantesco placard ali fixado, à entrada do estaleiro, não esqueci a resposta naquele jeito de sempre - brincalhão, olhos semicerrados e voz rouca: «É para eles se lembrarem...»
Disse recentemente António Costa Silva que o povo português tem essa ambiguidade de ser «medíocre na normalidade e extraordinário na anormalidade», seja ela uma crise ou uma urgência. Mário Dias foi um daqueles que personifica esta segunda característica. Partiu esta semana, mas deixa um legado. E isso é eterno.
MAS há uma nova geração que tende a contrariar esse karma da «mediocridade na normalidade» com uma constante vontade de autosuperação e totalmente afastada da cultura da autoflagelação, da desculpa e da lamúria. É impressionante como no espaço de pouco mais de 20 anos (uma inteira geração, portanto) deixámos de ouvir, por exemplo, nas competições europeias, que os portugueses eram mais baixos e menos fortes fisicamente que ingleses, alemães ou holandeses ou que «os árbitros não gostam de nós». Os desportistas nascidos no final do século passado (e muitos já neste...) têm uma mentalidade totalmente diferente - sem a cultura do queixume, sem complexos e, nalguns casos, correndo mesmo o risco da sobranceria pelo facto de serem tão bons. Acredito que será esta nova geração que, também fora dos relvados, dará os passos necessários que ainda faltam dar (nomeadamente no dirigismo), para tornarem o futebol luso extraordinário na normalidade.
SE todos nós andámos a pedalar virtualmente com as pernas de João Almeida e a pensar que com os seus 22 anos tem um mundo para conquistar, não é menos assombroso o que Diogo Jota está a fazer no Liverpool. Aí está um clássico exemplo que foge à norma: não era visto como o maior craque da sua geração (nem o segundo ou terceiro maior), esteve inclusive em dois grandes clubes (Atlético Madrid e FC Porto, aqui por empréstimo dos colchoneros), desceu uns degraus para o Wolverhampton e subiu vertiginosamente ao top of the rock. Jota está a conseguir o impensável: criar a dúvida em Jurgen Klopp sobre a possibilidade de não ter, em permanência, o melhor tridente ofensivo da Europa (na dinâmica e entendimento) formado por Mané, Firmino e Salah - jogadores que, individualmente, não eram tão excecionais quanto os 33,33% que representam da máquina trituradora de Anfield. Admitir que Diogo Jota possa roubar a titularidade a qualquer um destes homens é dos melhores elogios que se podem fazer, atualmente, no futebol europeu. DJ é mais um a tentar ser extraordinário na normalidade.