Exemplos
O Sporting é realmente um clube com uma inexplicável e incompreensível tentação pelo abismo. Quanto mais precisa de sossego mais atrai a instabilidade; quanto mais precisa de união e de apoio mais se divide. Esta semana foi assim, mais uma vez, com o treinador, e graças a Sousa Cintra parece ter ficado tudo ainda mais contra José Peseiro. Inacreditável!
Vivem os leões um momento de grande fragilidade por tudo o que aconteceu e por tudo o que não foi possível fazer acontecer. O clube destituiu o anterior presidente, perdeu jogadores importantíssimos, está sem dinheiro, desiludiu os adeptos, feriu-se a si próprio com extrema gravidade, e não pôde fazer outra coisa nos últimos quatro meses se não juntar cacos, evitar mais estragos e restaurar a estrutura dentro do que lhe era, apenas, possível.
E, como todos devem saber, não é, ainda, possível muito!
O que se espera numa situação destas é que todos as principais figuras do clube puxem para o mesmo lado. Exige-se prudência, bom senso e serenidade, muita solidariedade, e, sobretudo, realismo.
O que sucede no Sporting? Exatamente o contrário! Há sempre alguém que agita, que divide, que fragiliza, que cria instabilidade, que expõe o que nunca pode ser exposto. E que vira, assim, a arma contra a própria cabeça.
O que no início desta semana fez o antigo presidente Sousa Cintra foi tornar a vida do Sporting muito pior do que ela já era. Ainda por cima, Sousa Cintra não é apenas um antigo presidente. Foi o presidente interino no período provavelmente mais difícil da história leonina. Portanto, alguém com muita responsabilidade. E que não poderia nunca esquecer esse sentido de responsabilidade. Foi Sousa Cintra quem escolheu o treinador que o Sporting tem. Deveria ser Sousa Cintra, portanto, o primeiro a defendê-lo. Mas não. Em vez de defender o treinador que escolheu, Cintra preferiu, na entrevista que concedeu esta semana, voltar a falar de Jesus e dar a entender que só escolheu Peseiro porque não tinha alternativa.
Não satisfeito com isso, ainda revelou Sousa Cintra aspetos privados da sua relação com o treinador que escolheu, acusando José Peseiro de ter sido «muito indeciso na escolha de jogadores». Não deu Cintra um tiro nos pés; deu na cabeça!
NÃO chegava a José Peseiro a derrota em Portimão e a pobre exibição com o Loures... Não lhe bastavam as lesões de Bas Dost, Mathieu e de Raphinha e não lhe chegava a desconfiança instalada nos adeptos. Não lhe bastava ter jogadores como Bruno Fernandes abaixo do que já mostraram valer e não lhe chegava ter um plantel de qualidade tão curta.
Já não lhe bastava ter de jogar esta semana com o Arsenal e de, previsivelmente, ter de viver (como sucedeu) com a derrota e com alguns erros de arbitragem, sobretudo o erro do vermelho direto que devia ter sido mostrado a Sokratis e não foi... não lhe bastava tudo isso e ainda teve de levar agora com as irresponsáveis declarações de Sousa Cintra!
É inacreditável, aliás, como um homem que teve tanta responsabilidade como Cintra teve após a queda de Bruno de Carvalho, acabe a dizer o que Cintra disse esta semana a um jornal concorrente.
O que Sousa Cintra fez com José Peseiro foi mais ou menos a mesma coisa que o presidente do FC Porto fez, há dias, com Herrera.
Serviu Cintra aos adeptos a cabeça do treinador. Fragilizou-o. Criou-lhe ainda mais instabilidade e tornou-lhe, enfim, a vida ainda mais difícil do que ela já é. E ainda teve a lata de vir, depois, pedir apoio para Peseiro. Com amigos assim quem precisa, no Sporting, de inimigos?
MUITO elogiou Rui Vitória a exibição do Benfica em Amesterdão. Resta saber qual delas. Se a dos primeiros 10/15 minutos - uma águia atrevida, vertical, intencional, determinada e a conseguir duas/três boas situações de ataque -, se a dos restantes 75 - um Benfica a chegar cada vez menos ao ataque e a defender progressivamente cada vez mais atrás e cada vez pior. Se queria Rui Vitória referir-se aos primeiros 10/15 minutos, tem razão, é de elogiar o Benfica; se quis incluir os restantes 75, então viu um jogo realmente bem diferente daquele que eu vi.
O que eu vi foi um Benfica a entrar muito bem no jogo mas a sair dele já com o coração na boca e a merecer o que lhe aconteceu.
Fez a equipa do Benfica uma 2.ª parte tão pobre na Holanda que só pode lamentar-se dela própria e não do desvio da bola no pé de Grimaldo que traiu o super-Odysseas Vlachodimos, indiscutivelmente o melhor jogador em campo. Ora quando o guarda-redes de uma das equipas é claramente o melhor em campo isso quer dizer alguma coisa de como correu o próprio jogo. Ou não?
Se fosse Vitória treinador do Ajax aposto que diria no fim que o golo apenas trouxe justiça ao resultado.
Pois bem: Odysseas Vlachodimos defendeu dois golos certos e Conti tirou milagrosamente outro golo ao Ajax bem em cima da linha de baliza. Já no Benfica, apenas Seferovic conseguiu acertar duas vezes no alvo e só numa delas com algum perigo. Foi este o resultado objetivo do jogo.
De resto, o que eu vi foi realmente o Benfica a entrar muito bem no jogo, a surpreender o Ajax nos primeiros 10/15 minutos, e a perder depois progressivamente o gás e a deixar total iniciativa ao adversário.
Nos tais 75 minutos seguintes, o que eu vi foi uma equipa bem mais frágil e mais à imagem do que tem sido nos últimos jogos europeus.
Uma equipa que defende muito atrás e sem pressão; com jogadores muitas vezes longe uns dos outros; uma equipa incapaz de ter a bola, a acumular passes errados e a ter muita dificuldade de se chegar à frente.
Uma equipa que quando chegou à frente nunca chegou com muitos e deixou que Seferovic fosse tempo de mais pequena ilha no ataque. É senso comum - com ilhas no ataque é muito difícil ganhar jogos!
O Benfica teve, pois, o que mereceu pelo pouco que conseguiu jogar e pelo mal que globalmente defendeu em todo o campo. O que o Benfica fez na maior parte do jogo foi dar espaço ao Ajax. Espaço e tempo.
E a este nível, quanto mais uma equipa dá espaço e tempo ao adversário mais se põe a jeito. E quanto mais se põe a jeito, mais se arrisca a sofrer o golpe fatal.
Compreendo a frustração de perder um jogo ao minuto 90+2. Mas ao mesmo tempo, acredito que qualquer adepto preferisse ver a equipa dar muito mais no ataque e acabar por perder do que vê-la tentar resistir ao empate e acabar derrotada mesmo à beira do fim. Nada deve ser pior.
O que arriscou o Benfica na Holanda? Coisa nenhuma. Trocou Pizzi por Gabriel e Rafa por Cervi. Ou seja, fez duas vezes a chamada troca por troca. Não fez nada de ousado. Não apostou, por exemplo, em Jonas. E, portanto, não arriscou. E quem não arrisca, como diz a sabedoria popular, dificilmente petisca.
Esta época, na Europa, o Benfica já se safou de boa por duas vezes; safou-se primeiro em Salónica, e safou-se, depois, em Atenas. Em ambos os jogos, foi, como tem sido muitas vezes, uma equipa bipolar - capaz de coisas muito boas e de muito más. Sem meio termo. Na Grécia ainda se safou. Desta vez não deu.
Não se iluda o Benfica com o que fez agora nos primeiros 10/15 minutos. Tenha antes a humildade de reconhecer o que poderia ter sido o resultado do jogo se o Ajax tivesse feito o que podia. E o que devia.
É raro Cristiano Ronaldo aparecer numa conferência de imprensa. Muito raro. Mas Ronaldo já é tão craque dentro como fora do campo. E provou-o esta semana. Não apenas escolheu, agora, o momento certo para falar - no emotivo regresso a Manchester - como escolheu o momento para dizer as coisas certas, com a imagem certa, a atitude certa, o sorriso certo, a confiança certa e a maturidade certa.
Há muito que Ronaldo deixou de ser apenas o melhor jogador do mundo (ainda em título). É o grande profissional que todos reconhecem, e é, hoje, sobretudo, também o exemplo de uma personalidade plena, confiante, segura, acabada na sua estrutura como excecional jogador de futebol e como homem de família, que nunca esquece o que teve de fazer para aqui chegar e mostra ter a noção exata do fortíssimo impacto do seu nome no mundo.
Esta semana, o maior acontecimento desportivo mundial foi o regresso de Ronaldo a Old Traford. Não tenho dúvidas. E Ronaldo fez tudo para o merecer e para merecer até a assistência para o golo que valeu a vitória da Juventus.
Foi, enfim, brilhante antes, durante e depois deste mágico regresso a um lugar onde foi tão feliz. E foi, definitivamente, um exemplo.
Como diria um amigo meu, Deus fez o homem, os holandeses fizeram a Holanda... e Cristiano Ronaldo fez-se a ele próprio! E bem! Muito bem!
PS: Conseguiu o FC Porto fantástica vitória (fora de casa, atenção!) num jogo mais difícil do que aparentemente pode ter parecido. Um FC Porto, sobretudo, com forte personalidade. A personalidade que não tem, de momento, o Benfica, nem pode ter o Sporting!