Europa desafiada
Brasil e Argentina são apontados como ‘favoritos’ ao Mundial, dominado há vinte anos pelas seleções europeias. Será desta?...
DESCONHEÇO os motivos que sustentam a euforia dos adeptos brasileiros e argentinos, mas é um facto que a moda parece ter chegado aos jornais europeus. Como aqueles santos-e-senhas que se repetem à exaustão até parecerem verdades absolutas, também as Gazettas dello Sport, as Marcas, os L’Equipe e os Kickers desta vida estão a alinhar no coro que aponta o Brasil de Neymar e a Argentina de Messi como grandes favoritos à conquista do Mundial. Confesso que não encontro motivos assim tão evidentes para aceitar de mão beijada esse favoritismo da parelha sul-americana. Esse favoritismo baseia-se em quê? Nos resultados dos últimos quatro Mundiais (vinte anos) não é de certeza. Ganhou sempre a Europa. Então é em quê? Nos tareões que o Brasil tem aplicado a adversários de terceira categoria? No 3-0 que a Argentina espetou a uma Itália de rastos (com o fracasso mundialista) numa supertaça sem história chamada Finalíssima?
É claro que o Brasil tem um plantel vasto e forte (não teve sempre?), sobretudo de avançados (nove; dos quais só podem jogar dois ou três de cada vez, certo?) e que a Argentina tem o génio de Lionel Messi e um grupo (exatamente nesse sentido: tudo a puxar para o mesmo lado) muito sólido, unido e focado - mérito do selecionador Lionel Scaloni; tudo isso é verdade. Mas não podemos dizer o mesmo, pelo menos em teoria, de nove ou dez seleções europeias?, a começar pela poderosa França campeã mundial em título e a acabar numa Bélgica que, em dia-sim, tem futebol para passar por cima de qualquer adversário? (como o Brasil bem sabe, aliás). Reparem que nem trago para aqui esse eterno exemplo de frieza competitiva e fiabilidade que é a Alemanha; nem a qualidade, atitude e raça que fazem da Espanha a seleção europeia mais titulada do séc. XXI - a única com um título mundial (2010) e dois europeus (2008 e 2012) no currículo. Nem cito a seleção portuguesa, nem a inglesa, nem a neerlandesa, a quem vejo capacidade mais do que suficiente para derrotarem Brasil e Argentina em jogos de mata-mata…
Acresce outro detalhe que os numerosos entusiastas do favoritismo sul-americano parecem esquecer: os europeus, que dominam com mão de ferro o Mundial desde 2006 (Itália, depois Espanha, depois Alemanha, depois França…), chegam ao Catar na quase plenitude dos seus recursos e não, como era costume, espremidos até ao tutano pela intensidade e exigência brutal do calendário continental. É claro que isso também vale para brasileiros e argentinos, na medida em que os seu melhores elementos jogam na Europa; a questão é que a Europa, relativamente à América do Sul, tem muito mais seleções de grande nível e está, por isso, sempre mais perto de ver um dos seus pesos pesados ganhar a final.
Aceito de bom grado que a canarinha é e será sempre um candidato natural à Jules Rimet e que a Argentina, num patamar abaixo, será uma seleção temível enquanto puder contar com Lionel Messi e Angel Di María, o homem dos golos decisivos (foi ele quem decidiu as finais do Torneio Olímpico de 2008 e da última Copa América, em pleno Maracanã…). Ainda por cima Messi surge fresco e solto, não é o Messi esgotado, quase inerte, de 2014. Mas dizer que não há na Europa seleções tão ou mais capazes, parece uma tonteria à luz do que têm sido a brutal hegemonia europeia no séc. XXI.
DONA CELESTE III
LEMBRETE sobre a terceira potência sul-americana, o Uruguai de Diego Alonso com o qual vamos medir forças dentro de semana e meia (segunda-feira, dia 28, no belíssimo Estádio Lusail Iconic). A meu ver, é uma equipa pelo menos tão perigosa como aquela que nos eliminou há quatro anos em Sochi - lembram-se?, bis de Cavani, desconto de Pepe. Quando penso naquele que pode ser o onze charrua para esse jogo (Sergio Rochet; Ronald Araújo, Diego Godín, José Giménez e Matías Viña; Lucas Torreira, Rodrigo Bentancur, Fede Valverde e Nico de la Cruz; Luis Suárez - ou Edinson Cavani - e Darwin Núñez) fico a pensar se a seleção do pequeno país que tem dois títulos mundiais e dois títulos olímpicos no currículo não tem sido demasiado subvalorizada pelos entusiastas do favoritismo argentino-brasileiro.
Pela parte que nos toca, há contas para ajustar, sabendo-se que dez (!) dos 14 futebolistas uruguaios que nos arrumaram na Rússia ainda estão lá. E alguns continuam a ser bons. Bastante bons. Tenho muito respeito pela Celeste, a qual vi ganhar uma final da Copa América ao Brasil de Mário Zagallo no majestoso Estádio Centenário, em Montevideu. Com Diego Alonso (sucessor do celebrado Washington Tabárez), parece ter recuperado o perfil de entrega e superação que deu origem ao termo garra charrua.
Acresce que o Uruguai é por direito próprio um das poucas seleções históricas do Campeonato do Mundo. Mais do que nós. Cuidado com eles.