Este título é obra de Sérgio

OPINIÃO28.07.202004:00

O FC Porto é o brilhante campeão português de 2020, completando a primeira volta com sete pontos de atraso em relação ao Benfica e cortando a linha de meta com cinco de avanço. Sérgio Conceição foi o arquiteto da notável recuperação, respaldado numa estrutura que teve a sua maior força  nos silêncios de Pinto de Costa e de Luís Gonçalves.

Também há um ano, quando sucedeu exatamente o inverso e Bruno Lage partiu sete pontos atrás, chegou dois à frente e ofereceu o título da Reconquista à  família da águia, a reação na casa do dragão foi muito parecida: sofrer para dentro, esconder os desgostos e não dar o menor sinal de desânimo aos adversários. Em contraposição ao que ora se verifica no Benfica em que um campeonato perdido foi quanto bastou para, à boleia da proximidade de eleições, alvoroçar a capoeira e enxotar a  franganada vaidosa que nada tem para acrescentar de verdadeiramente  significativo. Apenas acha que sim, que é tempo de mudar de ciclo, sobretudo quando a obra edificada cativa e a paz financeira convida. Assim, é fácil…

Se há títulos de treinadores, este foi um deles. Na temporada transata  Conceição ter-se-á deslumbrado, admito, mas desta vez suportou a crítica e a dor quando estava na mó de baixo e moderou o entusiasmo a partir da altura em que, repetindo a vitória sobre o rival direto, já na segunda volta da competição, e percebendo que era,  irrecusavelmente,  o mais forte dos candidatos, através da palavra  jamais deixou de se afirmar um treinador lúcido e determinado, embora preocupado com as suas dúvidas.  

Sérgio Conceição é o principal obreiro do 29º título portista, pelo trabalho, pela resistência, pela perspicácia, pela competência, por tudo o que um treinador de sucesso deve inscrever na sua carta de apresentação. A de Sérgio está ricamente preenchida e será recebida com prazer pelos emblemas interessados na sua contratação. Não sei quantos, se muitos ou poucos, mas um percurso ganhador como o dele não pode ter andando de braço dado com a indiferença. Alguém reparou. Ou seja, garantidamente, o melhor mercado europeu gostará de acolher o treinador bicampeão português, se for esse o seu desejo.

O tema é interessante e está na ordem do dia: Sérgio Conceição continua no FC Porto? Sérgio Conceição prefere fazer uma pausa e  refletir sobre o futuro? Sérgio Conceição avança para uma liga europeia de maior visibilidade?

Todos os cenários estarão em equação, mas o Sérgio de mau feitio, que entrou humildemente pela porta do rés do chão, no Dragão,  há cerca de três anos, na sequência de uma série de apostas falhadas, mais uma época como esta  na carreira e sairá  de helicóptero com direito às mordomias devidas a gente muito importante.  

Não sei se ele tem essa aspiração, nem se a SAD portista quererá correr o risco de ver repetida a cena de 2004, quando a conquista de José Mourinho na Liga dos Campeões, na final de Gelsenkirchen, frente ao Mónaco, suscitou um conflito de protagonismos, conflito esse que assumiu dimensão pública, embora sempre desmentido pelos fiéis da corte, que promoveram a teoria de  uma invenção jornalística, por nada se ter passado. Mas passou.
 
Bruno e o seu mistério

Bruno Lage já caiu no esquecimento.  Não será o génio que conduziu o Benfica ao título 37, em meia dúzia de meses, nem o desajeitado que foi empurrado para o olho  da rua a seguir à derrota no Funchal. É um mistério que vai perdurar enquanto não houver interesse em explicar as razões para trambolhão tão colossal. Responsabilidade do próprio houve, principalmente na sua recusa em aceitar que o caminho por onde quis seguir só poderia levá-lo a embater numa parede, menos por culpa do caminho e mais dos caminheiros, uns com défice de vontade e outros com falta de qualidade como o fraco desempenho coletivo, a partir de determinada altura, inequivocamente demonstrou.

Fraca autoridade? Divisões no plantel? Alguma coisa esteve na génese do colapso que transformou uma época que correu de feição até ao virar de página do campeonato num inferno de problemas, sem que se consiga identificar, e entender com o mínimo de veracidade, a causa da discórdia. O facto de a interinidade de Lage nunca ter sido absolutamente banida, quer das conversas entre adeptos, quer da curiosidade dos jornalistas, pode explicar quase tudo, ou mesmo tudo. Não houve essa vontade, nem da parte do treinador, como funcionário obediente, com aquele discurso insosso e inócuo, que os jogadores pouco apreciam, nem do presidente, que nunca deu o passo que devia ter dado. E se não o deu foi porque não quis, como está assumido.

Bruno Lage deve ir treinar o Aston Villa, na Premier League. Jorge Jesus vem treinar o Benfica, na Liga portuguesa. Dois emblemas históricos e ambos campeões europeus. São os caprichos da vida.

Nota final - Jorge Sousa e Carlos Xistra arrumaram os apitos.  O primeiro geriu bem a sua carreira. O segundo foi mais pau para toda a obra que muito jeito deu. A arbitragem fica despida de soluções. Apesar das virtudes com que os padrinhos os pintam, a inusitada tendência para o disparate por parte dos novos talentos dá que pensar e deve inquietar.