Este Porto vai ser campeão
1 - Não escondi aqui no meu texto da passada semana a importância e a apreensão que me causava o confronto com o Sporting de Braga. Primeiro, pelo adversário em si: o Braga dividia connosco o primeiro lugar não por acaso, mas porque estava a jogar um bom futebol, com grande capacidade competitiva, alicerçada num ataque que nunca ficara em branco e numa defesa servida por dois centrais de altíssima qualidade; era a única equipa ainda invicta no campeonato; apresentava-se no Dragão absolutamente repousada, quer em termos físicos, quer em termos anímicos e competitivos, aliviada que tinha estado de ter de se concentrar em outras competições, e estava servida por um jovem e emergente treinador que certamente vai dar cartas a mais alto nível num futuro não muito distante. Em contrapartida, o FC Porto, também preparado por um treinador que já é uma certeza triunfante na nova vaga dos treinadores portugueses, chegava a este jogo de disputa pela liderança do campeonato no final de um ciclo de seis vitórias consecutivas em diversas competições, desfalcado do seu melhor marcador e, sobretudo, anímica e fisicamente explorado até ao limite - especialmente depois daquele terrivelmente desgastante jogo disputado quatro dias antes contra o Lokomotiv de Moscovo, debaixo de uma chuva inclemente e sobre um relvado anormalmente revolto e pesado do Dragão. Vi escrito pelo benfiquista Bagão Félix que o Lokomotiv era um adversário fácil, em termos de Champions, e era, sem dúvida. Mas, depois de os ultrapassar, todos são fáceis. Todavia, não me pareceu que fosse mais fácil, ou assim tanto mais, que o Ajax. E o que aconteceu é que o Benfica o mais que conseguiu em dois jogos foi empatar um com o Ajax e marcar um simples golo, enquanto que o FC Porto venceu os seus dois jogos com o Lokomotiv e marcou sete golos nos dois jogos. Deem lá as voltas e voltinhas que quiserem, mas, se olharem para as estatísticas dos últimos dez, vinte anos, constatarão, de boa-fé, que o único clube de nível europeu que temos é o FC Porto. O resto são conversas de café, sonhos presidenciais e promessas eternamente adiadas. Aliás, o FC Porto, que é o segundo clube europeu com mais presenças em fases finais da Champions e um dos que regista mais qualificações para as fases seguintes, será certamente o mais injustiçado de todos os clubes europeus se for avante o sinistro projecto da Liga dos Milionários, que deixará de fora deste clube privado com membros vitalícios auto-nomeados, todos os que, com raras excepções, não pertencem a príncipes árabes, magnatas asiáticos ou mafiosos russos.
Voltando ao Porto-Braga, disse-se abundantemente que o resultado mais justo teria sido um empate. Eu subscrevia por baixo, até ao minuto 88. Porque, até aí, o Braga tinha disposto de duas oportunidades, dois remates de meia-distância, não de jogadas construídas: um, que bateu na barra, mas que devia ter estado ao alcance de Casillas, e outro que bateu do lado de fora da barra e em que o golpe de vista do guarda-redes portista esteve certo. Porém, a melhor oportunidade foi do Porto e em jogada construída, com um golo cantado desperdiçado por Brahimi, antes do intervalo. Até aos 88 minutos, porém, o empate justificava-se pela forma superior como o Braga defendera e pela forma perigosa como contra-atacara. Mas o Porto tinha tido muito mais bola, muito mais ataques, mais remates e mais cantos. Sendo a equipa mais desgastada, foi também a que assumiu as despesas do jogo desde o início, e se é verdade que o Braga espreitou sempre a oportunidade de poder ganhar no contra-golpe, o Porto fê-lo da forma que dá mais trabalho e mais cansa - jogando, não no 4x4x2, que a critica costuma referir, mas sim num verdadeiro 4x2x4, claramente ofensivo e que já não se usa. E quando tudo se parecia encaminhar para um empate, quando nove em cada dez treinadores no lugar de Sérgio Conceição tratariam de acautelar o mal menor, o que fez o treinador portista? Correu todos os riscos para ganhar o jogo: tirou um defesa e meteu um médio de ataque, recuando um extremo para falso defesa-direito. E depois trocou um extremo por outro, para acrescentar frescura e velocidade ao ataque. Fê-lo, explicou depois, porque «o Porto é o campeão nacional» - como quem diz, tem obrigação de tentar ganhar o jogo, custe o que custar e até ao último minuto. Fez-me lembrar a resposta que Sir Edmund Hillary, o primeiro homem a escalar o Evereste, respondeu quando lhe perguntaram porque o tinha feito: «porque estava ali». Só essa coragem, essa vontade de querer ganhar o jogo, esse suplemento de ânimo que Sérgio Conceição passou para os seus jogadores, essa audácia de correr todos os riscos, em lugar de ficar na sua zona de conforto, fez com que, em minha opinião, o Porto tenha começado aí a merecer ganhar o jogo. E, depois, veio o golpe final, aquele que justificou enfim a vitória: a grande jogada do golo portista, a deliciosa finta e cruzamento geometricamente exacto de Otávio e o cabeceamento perfeito de Soares (juntamente com Jonas, o melhor cabeceador da Liga). E aqui, mais uma vez devo render-me à clarividência do treinador portista: desde os dez minutos que eu suplicava que ele tirasse o Soares, que me parecia estar a ser um elemento perfeitamente inútil, e eis que, no momento absolutamente decisivo, mesmo ao cair do pano, ele sobe lá acima e resolve o assunto.
Não sei se Sérgio Conceição é protegido por aquilo a que os árabes chamam a «baraka», a sorte que protege os grandes. Ou os audazes. Mas certamente que não é por sorte que as suas substituições são quase sempre determinantes para a sorte do jogo. E seguramente que não é por acaso que ele consegue o dom de extrair o melhor de cada jogador e fazê-lo mesmo quando eles estão longo tempo ausentes e se imaginaria que estivessem desmobilizados. Este Porto, com este espírito e este comandante de homens, vai ser campeão outra vez.
2 - É claro que nem tudo vai depender apenas de nós próprios. Os adversários também contam, e o Braga foi disso um grandessíssimo exemplo. E há outros factores a ter em conta. Por exemplo, o Tondela-Benfica. Sem nada jogar, dominando na segunda parte mas sem criar oportunidades, o Benfica viu o jogo desamarrado graças a uma expulsão caída do céu: num campeonato onde o fair-play contasse, como o inglês, quem teria visto um segundo amarelo era o Cervi por se atirar para o chão a fingir-se de agredido ao sentir uma simples mão nas costas; aqui, quem foi para a rua foi o jogador do Tondela. E, depois, ainda com 1-1, num campeonato como o nosso, o ligeiro agarrão de Fejsa na camisola do adversário, se tem sido ao contrário, teria dado penalty a favor do Benfica: mas a favor do Tondela, não deu. Duas pequenas-grandes decisões que mudaram o destino de um jogo que, de outro modo, talvez não tivesse acabado como acabou. O mesmo, ou pior, se diga do Sporting, pela segunda vez consecutiva beneficiário de uma arbitragem (expulsão e penalty) de tal forma generosa que só pode ser justificada pelo desejo de minorar as dores de toda a ordem por que passa o pobre clube dos Viscondes, ora arrastado pela lama mais suja que imaginar se possa.
3 - Uma das claques - perdão, «grupos organizados de adeptos» do Benfica - invadiram o hotel dos adeptos do Ajax para continuarem a disputa do jogo da Champions. Num outro hotel de Lisboa, o presidente do Benfica reuniu-se durante duas horas - perdão, «encontrou-se ocasionalmente» - com Paulo Gonçalves, o demissionário dirigente do clube e principal arguido dos processos dos mails e e-mails, e que, disse o clube, tudo o que terá feito, foi à revelia e com desconhecimento da direcção do mesmo. Não podiam ao menos ter mais cautelas?