Este final foi um desastre. Como será para o ano?

OPINIÃO30.07.202004:00

Frederico Varandas, com o seu estilo habitual, pediu aos sportinguistas para não olharem apenas para o 4.º lugar em que ficámos na I Liga, mas sim para o quadro geral do clube. O presidente do Sporting refere, então, uma série de dificuldades que enfrentou, nomeadamente financeiras, com pagamentos atrasados, tesouraria arruinada e, por cima disto tudo, uma pandemia que afetou o Sporting na proporção em que afetou todos.

É uma possibilidade, sem dúvida, termos de nos condoer com o estado em que foi deixado o nosso clube até que, a 9 de setembro de 2018, um dia depois de vencer as eleições, a equipa liderada por Varandas encarar a limpeza e arrumação da casa. Mas falemos um pouco a sério: João Duque, meu consócio no Conselho de Fiscalização do Sporting que assegurou o vazio de poder que os sócios e dirigentes determinaram, bem alertou para o estado das contas. Outros candidatos, das mais diversas matizes, diziam ser esse o principal problema do clube. Ao contrário de Varandas, que pouco ou nada falou no assunto.

Agora, o presidente vem dizer que temos de ter uma equipa que consiga a Liga dos Campeões, porque sem ela não temos modo de fazer frente às despesas. Pois é, estamos perante o chamado ciclo vicioso. Temos de vender talentos para fazer dinheiro, para conseguir alguns jogadores que, de acordo com um treinador que se encaixa no projeto (neste aspeto  concordo) e com miúdos vindos da formação, lutar de forma abnegada por um lugar na Champions para podermos ter dinheiro e não ter de vender os melhores. É complexo e difícil. Mas é verdade. Só que era isso, e não outra coisa, que se devia ter afirmado em todos os momentos. E, sinceramente, não percebi o tempo que tantos jovens com algum talento (ou mesmo muito) passaram no banco, até aparecer Rúben Amorim. Sinceramente, não percebo contratações e empréstimos como os de Jesé e Bolasie - além de muitos outros de quem nem me lembro. Como não entendo como Palhinha, emprestado ao SC Braga, não foi escolha para esta época. Enfim, há inúmeras coisas que não entendo (a menos que queira falar de comissões e de outras coisas que também não entendo), salvo um número que o concorrente de A BOLA (Record) divulgou terça feira. Enquanto o Benfica gastou 1,168 milhões de euros por ponto obtido na Liga, o Sporting gastou 1,166. Como ficou a 17 pontos, no fundo fez pior negócio; como mais do que o FC Porto, que expendeu 1,097, para não falar do SC Braga que, com os mesmos pontos do Sporting, só despendeu 416,7 milhões.

Ou seja, será o problema só dinheiro? Uma análise mais fina dirá que não. E quando se gasta muito sem obter resultados, uma de duas situações ocorrem: ou estamos a desperdiçá-lo, aplicando-o mal, ou a ter de recorrer ao Orçamento destinado à época para pagar compromissos que nada têm a ver com ela.

Ver o quadro todo

SE olharmos para o quadro todo, como nos recomenda o presidente, o panorama também tem os seus horrores. Foi a época com mais derrotas, foi uma das piores épocas dos 114 anos da história do clube. Contra os cinco primeiros da I Liga, fizemos zero pontos com o FC Porto, zero pontos com o Benfica, um ponto com o Rio Ave e três pontos com o SC Braga. Ou seja, em 12 pontos possíveis nos jogos contra as outras quatro melhores equipas da I Liga, conseguiram-se quatro. E, apesar da raça, da alegria, do jogo positivo que Rúben Amorim imprimiu à equipa, as coisas não melhoraram por aí além: empatámos em Guimarães, perdemos com o FC Porto e com o Benfica.

A propósito deste jogo, no sábado passado, uma palavra para a arbitragem (Frederico Varandas, contidamente e bem, a meu ver, também a dá). O Sporting foi manifestamente prejudicado, e não me venham dizer que feitas as contas no fim o nível de erros é igual. Um penálti escandaloso não assinalado contra o Moreirense (que foi o VAR a chamar a atenção); um golo limpo contra o V. Setúbal, anulado não se percebe porquê, e um golo marcado na sequência de um canto que não existiu, foram erros dos últimos jogos. A inexistência de qualquer desses erros (que a generalidade dos comentadores de arbitragem assim consideraram) teria dado o terceiro lugar ao Sporting. Se nenhum deles existisse, o Sporting ficaria não a 17 pontos do Benfica, mas a sete. No fundo da tabela, teria eventualmente descido o V. Setúbal e não o Portimonense.

O futuro do clube

NO fim desta desgraça chegaram logo uns arautos a exigir a demissão de Varandas. A ideia é legítima, e há mecanismos que permitem convocar uma AG com esse propósito. Mas o princípio de que os resultados desportivos do futebol condicionam quem deve ser o presidente da agremiação não me parece brilhante. Os eleitos são-no por quatro anos e devem ter o direito de mostrar o que valem nesse período. Se Frederico Varandas cumprir o seu desiderato de colocar o Sporting a ganhar regularmente campeonatos, e não um, esporadicamente, a cada 20 anos, diremos que é um excelente presidente. Se lhe cortarem as hipóteses no início da recuperação que ele promete, jamais saberemos se tinha razão. Em 2022 julgaremos, depois de debates e intervenções de vários sportinguistas. E aí sim, podemos concluir sobre qual o melhor projeto e a melhor personalidade para o liderar.

Insisto em que há várias tarefas que deveriam ser feitas. Nomeadamente, a reforma estatutária. Mas, curiosamente, acerca de uma das mais importantes alterações neste clube (do meu ponto de vista), Varandas diz que é cedo para falar nisso. Refiro-me à ideia de uma segunda volta para reforçar o poder da direção, que terá de ser eleita sempre por mais de 50% dos votos e não com uns meros 35 ou 37%. Em contrapartida, a importância que se dá ao iVoting ou voto eletrónico parece-me exagerada, se não tivermos outras mudanças substanciais: como a separação de listas, com a eleição do Conselho Fiscal e Disciplinar em lista própria, a que se deve aplicar o método de Hondt, de forma a que minorias fiquem representadas; ou a diferenciação, como em quase todos os grandes clubes do mundo, de sócios delegados - com presença nas AG depois de devidamente identificados, e restantes sócios, que elegem os seus delegados, igualmente por método de Hondt. Esta divisão, como bem sabem aqueles que conhecem a organização do Real Madrid, por exemplo, impede que as AG sejam transformadas em campos de batalha onde ganha quem mais grita, ou obrigando a que todas as AG tenham sistema de voto secreto, sem discussão prévia, o que também não é o melhor modelo.
No imediato, algo muito importante e urgente: estabilidade! Não significa manter a direção, embora pelos motivos aduzidos também seja importante. Acima de tudo quer dizer que se confiamos neste treinador, é necessário dar-lhe tempo, condições e autoridade. A época em que os presidentes e diretores desportivos passavam a vida a imiscuir-se nas escolhas das equipas e nas tarefas do treino acabou. O tempo de quatro treinadores na mesma época não pode repetir-se. O ano que vem tem, infelizmente, de ser um novo princípio, porque, tal como Sísifo, recomeçamos em baixo. Só aos poucos e com tempo podemos aspirar ao cimo.