Estará o Sporting a voltar ao ‘velho normal’?
Preocupado, foi assim que me defini na última crónica, há uma semana. Preocupado com a derrota com o Porto, que deu o campeonato, justo, aos dragões, mas sobretudo com o Braga que ainda nos podia roubar o terceiro lugar. Quando na segunda-feira passada os bracarenses perderam em Tondela com um golo que já não parecia possível, pensei que a receção ao Setúbal resolveria as contas. Bastava vencer a um clube que não vence há nove jogos. Não foi… Ainda dependemos do que fizermos, mas ainda estou preocupado.
Pensar que o Benfica despachou com quatro golos o Desportivo das Aves, depois de muitas peripécias e um protesto que só honra os jogadores, parece enganador. Na verdade, o Benfica também pouco jogou, beneficiou de um penálti que não existiu (ao contrário o Sporting viu anulado um golo limpo) e de novo só Gonçalo Ramos, um miúdo de 19 anos que marcou dois golos na primeira vez que jogou com os grandes, e em seis minutos (aos 87 e aos 90+3). Quer isto dizer que estão bem uns para os outros. Basta olhar os títulos deste jornal. Sobre o jogo do Aves contra o Benfica, escreveu Vítor Serpa: «Assim, Jesus vai pedir uma equipa toda nova»; Sobre o Sporting-Setúbal lê-se na chamada de primeira página para a crónica de Rogério Azevedo: «Amorim não faz milagres.»
Veremos o que se passa na Luz, com um Benfica que já não mexe do segundo lugar, mas com um Sporting que se não faz um ponto que seja depende do Porto estar com disposição para se deixar empatar ou perder. Porque se o Braga ganha, o Sporting remete-se às pré-eliminatórias da Liga Europa, de onde nem sempre os clubes saem… Só mais uma nota para dizer que o próprio Braga, pelo que se viu em Tondela, também não está num momento glorioso. Razão tinha o brasileiro que para insultar Jorge Jesus por este deixar o mengão, lhe gritava no meio de muitos impropérios: «Vai para o Benfica, para o campeonato português, que mais parece coisa de solteiros contra casados.»
Que Sporting vai ser o Sporting?
Esta época o Sporting vai no quarto treinador, depois de Keizer, Leonel Pontes (interino) e Silas, e na terceira formação. A primeira, até ao mercado de inverno, era simples de descrever: Bruno Fernandes e mais 10, entre os quais se destacavam Mathieu, Coates (que andava com a mania de meter os golos na baliza errada) e Acuña; a segunda fase começou com a saída de Bruno Fernandes para ir brilhar a grande altura no Manchester United, depois de uma derrota em casa com o Benfica, por 0-2 (no tempo em que Bruno Lage era vedeta). Silas, então treinador, uma vez que Keizer largara o comando ainda em setembro, disse que nos últimos jogos Bruno andava mais com a cabeça no Manchester do que no Sporting. O clube entrou numa fase errática, em que não se entendia bem qual era o lugar de cada jogador nem o sistema claro do treinador. Depois de uma derrota em Famalicão por 1-3, Silas deu o lugar ao até então invencível treinador do Braga.
A era Rúben Amorim começou com uma vitória estranhíssima por 2-0 frente ao Aves, num jogo em que aí pelos 20 minutos a equipa avense já estava reduzida a nove elementos depois de duas expulsões. Daí para cá a garra do Sporting pareceu renascer e o sistema de jogo tornou-se claro, com três defesas, três atacantes, dois médios e dois laterais. Os jogadores pareciam encaixar. Tanto mais que aquele jogo com o Aves fora o último antes da interrupção, quando o Sporting estava em quarto lugar. Quando o campeonato retomou à porta fechada, Rúben fez o Sporting empatar em Guimarães, somou cinco vitórias, série que só o Moreirense, em casa, interrompeu à 30.ª jornada, baixando o avanço que já ia em cinco pontos em relação ao Braga para apenas três. Depois disso, o Sporting voltou a mostrar o que na realidade vale. A vitória que se seguiu, em casa, sobre o Santa Clara, foi frouxa, embora os jogadores parecessem esforçar-se mais; a derrota no Dragão com o Porto foi clara e agora o empate, em casa, contra a o camião de cimento que o Setúbal colocou à frente da baliza, mostrou as debilidades. (E não se veja aqui uma crítica ao Setúbal; fez o que lhe competia. Já ninguém joga o jogo pelo jogo).
Mas, frente ao Setúbal não contou com Sporar, nem com Jovane, que têm sido referências. Em contrapartida, vimos entrar na segunda parte um Vietto debilitado; Acuña recuou no terreno. Geraldes é caso para dizer que «joga bem, mas não me alegra» e o jovem Tiago Tomás pareceu-me razoavelmente perdido, à procura de um lugar. Joelson, que substituiu um Matheus Nunes desinspirado, não melhorou nada e Plata faz-me lembrar a piada de Roy Hodgson - finta cinco numa cabina telefónica, mas depois não encontra a porta de saída.
E a minha preocupação agora, além do Braga, é a seguinte: se vendermos Jovane, Vietto e mais uns tantos, ficamos a jogar com quem? Se Rúben não faz milagres, que faça como o Vítor Serpa disse de Jesus: «Peça uma equipa inteira nova.» Porque Jesus também não fará milagres, mas tem dinheiro para os comprar.
E mais uma preocupação: como vai o Sporting arranjar o dinheiro para contratar, de modo a não vender as joias… A questão da sustentabilidade financeira, tão debatida, continua a ser, provavelmente, o nosso principal problema.
O Ai Jesus!
O regresso de Jesus transformou-se num assunto nacional. Digamos que depois da pandemia e, talvez, ex-aequo com as negociações de Bruxelas, Jorge Jesus ocupou uma parte substancial do noticiário português.
Não digo que o tema seja irrelevante. Luís Filipe Vieira precisa de algo assim para se revitalizar. Mas não haja ilusões. Lembrem-se de Jesus no Sporting. Foi um bom treinador, mas ganhou pouco… talvez porque a equipa não desse mais e o dinheiro, o vil metal, não desse para mais.
Um dos jogadores que o novo treinador do Benfica disse que queria ir buscar foi Slimani, ex-avançado com muito mérito e que deu muitas alegrias aos sportinguistas, agora com 32 anos. Mas o sinal é inequívoco - e foi assim no Sporting e no Benfica: esqueçam formações, Jesus tem opções simples: quer os melhores. Só não vai buscar Ronaldo e Messi porque sabe que por muito fundos, e estranhos, que sejam os bolsos encarnados, também não pode exagerar.
Esta questão recoloca-nos na eterna questão do fair-play financeiro e na centralização dos direitos televisivos, acabando, de passagem, com essa anormalidade em termos europeus que é a Benfica TV. Mais nenhum grande clube tem o exclusivo dos seus jogos no canal do clube. Eu sei que alguns adeptos do Benfica me escreverão a dizer que eu embirro com o clube da Luz; porém, embora se saiba que não é o meu preferido, esta não é uma questão de embirrar ou não. É antes uma defesa acérrima de um princípio simples: hoje em dia não há fair-play desportivo sem fair-play financeiro. E sem este equilíbrio necessário, teremos, cada vez mais, um fosso entre os que vão e não vão à Europa, sendo estes já separados pelo fosso dos que vão à Champions e à Liga Europa. O resto… basta olhar para o Aves.