Espero que não seja no meu tempo

OPINIÃO21.12.201803:00

Desde que tenho memórias vividas do futebol só uma regra com verdadeiro impacto no jogo mudou: a que não permite ao guarda-redes tocar a bola com as mãos, na sequência de um passe com o pé feito por um colega de equipa. Não desvalorizo as maiores penalizações por jogo violento nem o aumento do número de substituições (já não sou do tempo de não haver substituições), mas nenhuma teve a importância daquela mudança. O papel dos guarda-redes mudou, os esquemas táticos sofreram alterações e, sem dúvida, o tempo útil de jogo aumentou. Só os mais novos não se lembram do sofrimento para os espectadores que era ver jogos em que as equipas passavam o jogo todo a passar a bola para o guarda-redes - imagine-se com os níveis de antijogo que agora há o que seria se essa regra não tivesse sido alterada.

Parte do sucesso do futebol prende-se com a simplicidade das regras e da forma como elas se têm mantido praticamente inalteradas desde o início do association. E a verdade é que nem a melhoria da qualidade da superfície de jogo e dos materiais usados (bolas, equipamentos, chuteiras), nem os incríveis avanços na preparação física, nem a velocidade do jogo, nem a sofisticação nos métodos de treino trouxeram qualquer necessidade de alterar regras.

O que mudou, e muito recentemente, foram os meios para que se tentasse que a arbitragem errasse menos. Mesmo assim, nada de essencial mudou. Passou-se, isso sim, a falar-se muito mais de uma quimera chamada verdade desportiva. Algo que ninguém sabe muito bem o que é, mas a que toda a gente jura fidelidade. O facto é que quem joga melhor ganha mais vezes, quem tem melhores jogadores joga melhor, quem tem um clube mais organizado e com mais dinheiro tem mais hipóteses de ter esses jogadores e de jogar melhor. No entanto, a perseguição dessa quimera pode pôr em causa um aspeto fundamental do jogo: o erro do árbitro, um elemento que, quer se queira quer não, faz parte do espetáculo. No limite, substituir os árbitros por robôs trará uma coisa bacteriologicamente pura que não ajudará em nada o jogo, que se quer discutido e controverso. Ou seja, algo de humano.

Até esse momento, que se quer distante, vamos ter de viver com o VAR. Já não vale a pena pôr em causa a ferramenta, ela está aí e temos de aprender a viver com ela. Três coisas, pelo menos, já aprendemos: os erros continuam a existir, criou-se uma nova espécie de regras não escritas e tirou-se boa parte da emoção ao momento mais importante de um jogo de futebol. Quanto aos erros, eles aí estão e tão evidentes como sempre. Pois é, também há homens por detrás do VAR.

Mas há uma nova realidade que, ao contrário do que imagino seriam as intenções dos promotores do VAR, veio aumentar a subjetividade da análise de muitos lances. Falo do contacto físico, básico no jogo. Algo que só pode ser analisado quando se está em campo, que só quem está próximo de um lance pode aquilatar se é falta ou não. Suspeito que não tarda muito que, por exemplo, cada canto corresponda a um penálti e se o VAR evoluir para as faltas que não sejam possíveis penáltis a coisa ainda piore. Melhor, cada lance vai ter uma infinita possibilidade de interpretação se visto desde uma qualquer cabine cheia de ecrãs e não será preciso explicar que o que necessita de muita interpretação será sempre alvo de todas as suspeitas. O que se queria menos sujeito ao julgamento humano vai resultar exatamente no contrário. Lá está, quando se quer o ótimo vai-se normalmente dar ao péssimo.

O terceiro ponto tem a ver com o golo. Tiram-nos demasiadas vezes a sensação de euforia com o golo. Agora ficamos parados, ansiosos, para saber se o golo vai ser validado ou não. Chegamos a esperar minutos por uma decisão. A comemoração é uma coisa requentada mais de alívio do que de celebração coletiva.

Dir-me-ão que desta forma o jogo se torna mais verdadeiro. Falar de verdade ou mentira num jogo que é de sentimentos, de entusiasmos, de paixões é algo que me custa muito a compreender. Fico com a sensação de que estão a inventar um outro jogo. Um em que as emoções não são bem vindas, um feito para fãs e não para adeptos, um em que a paixão não é bem vinda. Espero que não seja no meu tempo.

Os novos bons

Oque se tem passado com os penáltis marcados a favor do Sporting em razão dos mergulhos do Bas Dost, que apesar de algum jeito para o futebol tem incomparavelmente mais qualidades para o mergulho, já se tornou um escândalo. No entanto, é apenas uma parte do carinho que está a envolver o Sporting nesta fase da sua vida.

Basta abrir os jornais ou ligar as televisões para nos apercebermos do clima de afeto generalizado para tudo o que diz respeito ao clube de Alvalade.

O treinador é genial. Com nem meia dúzia de jogos à frente da equipa, um treinador que aos 48 anos não tem currículo que se apresente já foi elevado ao panteão. Um predestinado que é um líder fantástico, um notável potenciador de talento, um modelo de jogo deslumbrante. Só há uma palavra para definir estas avaliações de Marcel Keiser: ridículas. Não faço ideia se o holandês vai ter ou não sucesso no Sporting, se se vai revelar tardiamente um grande treinador ou não, mas haja o mínimo de respeito pela inteligência das pessoas. Como é possível dizer-se o que se diz do homem em meia dúzia de semanas?

O novo presidente também é maravilhoso - oh o que eu me lembro do que se disse sobre Bruno de Carvalho no início do seu mandato. Um homem superequilibrado, um gentleman, um exemplo para o novo dirigismo. Quase que soltei lágrimas ao ouvir comentários sobre a sua mais recente entrevista. Um homem providencial e o neto que todas as avós gostariam de ter.

Não, as, digamos assim, simpáticas arbitragens não surpreendem. São fruto do clima. É preciso, claro, esquecer Bruno de Carvalho - imagine-se o que seria se o Sporting não estivesse a vencer -, que ninguém se lembre do que os que agora elogiam a nova gestão do Sporting até há meia dúzia de meses diziam do ex-presidente e que era basicamente o oposto do que é agora Varandas.

Depois, os bons rapazes da Luz afinal não eram assim tão bons. Já nem o mais fanático benfiquista consegue fingir que não sabe o que o Benfica andou a fazer nos últimos anos. Já ninguém tem o desplante de tentar levar a SAD arguida ao colo, é preciso eleger novos bons. Faltando os do costume, venham os de Alvalade. Alguém tem de se apoiar contra os diabos do norte.

Já cá ando há muitos anos e não tenho falta de memória. Já vi este filme. Não acredito que o Sporting vá muito longe com esta gestão desportiva e não só, mas sei muito bem ver quando os ventos sopram todos no mesmo sentido e o que pode acontecer numa conjuntura destas.