Escrevam 100 vezes: o nosso futebol é mau!

OPINIÃO18.06.202004:00

À hora em que escrevo estas linhas, o Benfica acabou de ir a Vila do Conde fazer um resultado extraordinário: ganhou 2-1 ao Rio Ave, depois de estar quase uma hora a perder 1-0. É certo que o jogo acabou com nove jogadores vila-condenses, mas uma vitória do Benfica é tão mais assinalável quanto não se via há meses. Com tal feito ficou com os mesmos pontos do que o Porto, embora tenha a desvantagem do confronto direto.

O Sporting e o Braga ainda não jogaram: os leões recebem hoje o Tondela e os minhotos têm amanhã um dérbi complicado em Famalicão, podendo, inclusivamente, ser apanhados em número de pontos por aquele clube (e o mesmo acontece ao Sporting se não pontuar com o Tondela).

Dir-me-ão: mas o Sporting pode perder em casa com o Tondela? E eu respondo: sei lá! Depois da retoma vê-se de tudo. Penso que entre os primeiros, o único resultado normal, por assim dizer, foi o empate, a dois, do Sporting em Guimarães. Duas equipas que vinham da paragem e que têm argumentos para um resultado imprevisível. Porque, de resto, reparem: o Porto, que precisava de afirmar a sua vantagem, perdeu logo com o Famalicão, em casa deste, por 2-1; no dia seguinte, o Benfica podia ultrapassar o Porto, tanto mais que recebia o Tondela (o Tondela!!!!, o mesmo que o Sporting recebe hoje), mas empatou 0-0 e teve direito à fúria dos arruaceiros, ali para os lados do Seixal, mostrando que os energúmenos não se concentram num clube, mas espalham-se harmoniosamente (e em proporção?) por todos eles. E esta foi a jornada em que o Guimarães empatou com o Sporting, e que o Braga, no último momento, perdeu, na Cidade do Futebol, com o Santa Clara.
Não me digam que, à exceção do Sporting, e tomados em conjunto, não são resultados estranhos.

Mas a 26ª Jornada não traria melhor: o Porto, com esforço, com sorte, sabe-se lá como, recebeu e despachou o Marítimo com um folgadíssimo 1-0. Se tivesse empatado não admiraria ninguém… O Benfica, que tinha de vencer o penúltimo da tabela, o Portimonense, para se manter a par do Porto, depois do ponto arduamente ganho em casa com o Tondela, foi - na poética frase do seu treinador - «ver o mar» e entrou no estádio de Portimão com vontade. Aos 31 minutos vencia por dois a zero… Mas a influência marítima não foi benéfica, e o caldo entornou-se… Aos 66 e 76 minutos, esse portento que é o Portimonense empatou o jogo. Aliás, o empate, por Júnior Tavares, compete com o golo de Jovane Cabral pelo melhor da retoma.

Jovane, num livre direto, que segundo o treinador Rúben Amorim andava a treinar, enfiou a chamada pastilha dentro da baliza do Paços de Ferreira. Foi um grande momento, como o foi uma bola à trave do mesmo Jovane. De resto - e perdoem-me os aficionados - o jogo foi uma pessegueira. Bons apontamentos deste e daquele (de Vietto até sair lesionado), uma forma de jogar que explica por que razão o Sporting é a equipa que menos pontos perdeu na retoma, mas muito medíocre… E o Paços, honra lhe seja feita, não colocou um camião à frente da baliza, como o Aves fez com o Porto. O empate a zero com o último classificado foi mais um resultado para o rol de quem se pergunta o que andam as equipas a fazer… falta ainda referir que o Braga perdeu em casa com o Boavista, tendo a incrível marca de zero pontos em dois jogos teoricamente acessíveis. Os jogos desencontrados, as jornadas a prolongarem-se por dias e os estádios vazios dá nisto… nem sei se é melhor ver ou saber só o resultado. Nada me espanta.

O nosso futebol, jogado, é mau. E esta retoma veio acentuar essa faceta.

E entra o VAR

As queixas das arbitragens desceram um pouco de tom com a ausência de público a assobiar e a chamar nomes. E eu, que já chamei nomes a tanto homem honesto que me irritou dentro das quatro linhas, posso afirmá-lo. De qualquer modo, se na terça-feira Carlos Xistra assinalou um inexistente penálti a favor do Porto contra o Aves (e nem assim fizeram golo), sem que o VAR tivesse contrariado uma decisão tão obviamente errada, há que saudar Rui Costa que assinalou, também ele, um penálti inexistente a favor do Paços contra o Sporting. Revisto pelo VAR, e pelo árbitro, teve este a hombridade de reverter a decisão e retirar um cartão amarelo mal mostrado a Coates.

De resto, toda a intriga no futebol parece deslocar-se da arbitragem para a Direção da Liga. Já aqui escrevi que me parece incompreensível a posição do Benfica, mas também de outros clubes (não sei qual a posição do Sporting sobre a matéria). Mas devem ser malhas finamente tecidas, imbricadas e difíceis de desatar e descortinar. Talvez futuros processos expliquem.

O nosso futebol como indústria é tão mau como o espetáculo. O que se se tem visto à volta desta matéria - a recusa da clareza, dos direitos centralizados, do fair play financeiro, demonstra para quem quiser ver que o nosso futebol é mau.

O Governo de um clube

Começou terça e continuou ontem a segunda sessão das jornadas Sporting com Rumo. O meu querido consócio José Dias Ferreira já aqui falou delas com propriedade. Mas tendo assistido às duas primeiras sessões, quero salientar dois aspetos. O primeiro é o  qualidade dos convidados. Muito acima das discussões quase arruaceiras que se veem nas AGs e nas redondezas do estádio. Ângelo Correia, João Marques da Cruz, Diogo Lacerda Machado, Jorge Coelho, Pedro Mourisca e Ricardo da Silva Oliveira dizem coisas fundamentadas (embora nem todos estejam de acordo, como é natural). Infelizmente fazem-no com a consciência de que poucos os ouvem. O moderador, Luís Marques, não lhes ficou atrás. Várias ideias foram expostas e podem ser ainda visualizadas no YouTube ou no Facebook. Ontem, Alexandre Mestre, Dias Ferreira, Rogério Alves, Rui Alexandre de Jesus, Rui Januário e Sérgio Abrantes Mendes foram os palestrantes, moderados por Rui Miguel Mendonça. Seguir-se-ão vários outros. Já na próxima terça-feira, Agostinho Abade, Carlos Vieira, Eduardo Baptista Correia, Miguel Frasquilho e Sérgio Cintra, moderados por este vosso escriba. A que se seguem Francisco Marcos, Luís Natário, Marco Caneira, Ricardo Pereira, Rui Oliveira e Bessone Basto, moderados por Rui Miguel Mendonça. Ainda estarão na terça, 7 de julho, António Martins da Cruz, Carlos Anjos, Miguel Poiares Maduro, Miguel Salema Garção, Rui Calafate e Tomás Froes, moderados por Carlos Andrade e, no dia seguinte, o último debate, moderado por Vítor Cândido, com Carlos Miguel, Francisco Louro, Francisco Teixeira, Miguel Almeida Fernandes, Nuno Saraiva e Pedro Paulino. Tudo isto pode ser visto em vários canais, do YouTube ao Facebook, como já disse. Mas não foi visto na Sporting TV, que nem apareceu, apesar da piada que lhe foi endereçada por Jorge Coelho: «A Sporting TV e o jornal Sporting não são da Direção, são do clube.» E as pessoas que ali estavam, com mais ou menos currículo, todas tinham algo em comum: serem grandes sportinguistas.

O futebol, do modo como é habitualmente discutido e dirigido, também é mau, não tem futuro, não tem solução. Aliás, quem se desse ao trabalho de ler os comentários feitos durante a transmissão, descobria, entre alguns muito interessantes e acutilantes, outros que não passavam de enxovalhos e má-língua. Infelizmente, o futebol depende demasiadamente destes últimos.