Entre a imobilidade e a queda

OPINIÃO06.10.201904:00

Equilibradamente parado

1 - Dizer que algo é equilibrado pressupõe um elogio e isso vem dos velhos gregos, de Aristóteles e companhia. E essa ideia não mais largou o centro das discussões sobre arte ou sobre jogo.

Está equilibrado tornou-se sinónimo de: é isso mesmo! Ótimo!

Mas, de facto, o equilíbrio é a primeira parte da imobilidade: o que está equilibrado quase sempre está parado. Uma pedra, por exemplo, em solo firme. Está equilibradíssima.

O desequilíbrio, pelo contrário, é sinónimo de movimento. Não há movimento sem desequilíbrio. O movimento, aliás, não é mais do que uma sucessão de desequilíbrios para frente - por exemplo no acto de andar ou correr - desequilíbrios que são corrigidos com outros movimentos desequilibrados e depois com outro desequilíbrio e outro e outra ainda e assim se anda e se corre, assim se sai do lugar. Quando acabam os desequilíbrios sucessivos? Quando um sujeito decide parar.

Vou ficar equilibrado. Ou seja: vou parar.

Desequilibradamente crescendo lentamente

2 - Pois bem, façamos então aqui rapidamente uma ode ao desequilíbrio. Crescer é resultado de um desequilíbrio, toda a mudança é um desequilíbrio.

Dizer está equilibrado ou desequilibrado deveria ser, portanto, uma descrição do estado de um sistema, de uma equipa, de uma obra de arte e não um juízo de valor. Porém transformou-se, sim, em pesado em juízo de valor.

O mesmo sucede, aliás, com as palavras lentidão e velocidade.

Algo ser lento transformou-se em sinónimo de mau, e algo ser rápido em sinónimo de bom. Quando deveria apenas ser descritivo: lento e rápido.

Ser rápido, como é evidente, pode ser bom ou mau.

Se, numa situação, o que se exigir for lentidão, ser rápido é mau

(é preciso falar como as crianças).

E se a situação exigir lentidão, ser lento é bom.

Devemos, pois, treinar a rapidez, claro, mas também treinar a lentidão. No jogo - por vezes é preciso jogar lento, outras vezes é preciso jogar rápido - e no resto. Na vida, por exemplo.

Duas frases sensatas

3 A alguém que está há demasiado tempo parado, podemos dizer: - Não estejas tão equilibrado.

Para alguém que acabou de cair, podemos dizer:

- Não te desequilibres tanto.

Equilíbrio, esqui e natação

4 - Claro que, em certas actividades, o desequilíbrio tem consequências fortes, até ósseas. Veja-se este diálogo entre duas personagens do livro Não bebas dessa água, de Woody Allen:

«Magee - Eu gosto do Inverno. Porque gosto de esqui.

Susan - Nunca fiz esqui, mas adorava fazer.

Magee - Talvez um dia depois disto tudo acabar, eu te possa levar a esquiar. Ias adorar. É muito romântico. Uma vez até parti a bacia.»

Um sujeito que pratique esqui também deve encontrar, diríamos, um grande equilíbrio entre o equilíbrio e o desequilíbrio, isso sim. Um esquiador avança entre três estados limite: num estado, equilíbrio total: estar parado. No estado do meio, no caminho do meio, desequilíbrio útil ou mesmo perfeito, quando esquia a grande velocidade controlando a situação; e, terceiro estado, a queda - esse fantasma que anda sempre ao lado do desequilíbrio e da velocidade; a queda: filho do desequilíbrio e da velocidade.

E lembrar, por fim uma personagem, do mesmo Woody Allen, que sonhava em ser um grande atleta, mas que se resigna:

«Eu quis ser um nadador olímpico, mas tive alguns problemas de flutuação.»