Entre a imobilidade e a queda
Equilibradamente parado
1 - Dizer que algo é equilibrado pressupõe um elogio e isso vem dos velhos gregos, de Aristóteles e companhia. E essa ideia não mais largou o centro das discussões sobre arte ou sobre jogo.
Está equilibrado tornou-se sinónimo de: é isso mesmo! Ótimo!
Mas, de facto, o equilíbrio é a primeira parte da imobilidade: o que está equilibrado quase sempre está parado. Uma pedra, por exemplo, em solo firme. Está equilibradíssima.
O desequilíbrio, pelo contrário, é sinónimo de movimento. Não há movimento sem desequilíbrio. O movimento, aliás, não é mais do que uma sucessão de desequilíbrios para frente - por exemplo no acto de andar ou correr - desequilíbrios que são corrigidos com outros movimentos desequilibrados e depois com outro desequilíbrio e outro e outra ainda e assim se anda e se corre, assim se sai do lugar. Quando acabam os desequilíbrios sucessivos? Quando um sujeito decide parar.
Vou ficar equilibrado. Ou seja: vou parar.
Desequilibradamente crescendo lentamente
2 - Pois bem, façamos então aqui rapidamente uma ode ao desequilíbrio. Crescer é resultado de um desequilíbrio, toda a mudança é um desequilíbrio.
Dizer está equilibrado ou desequilibrado deveria ser, portanto, uma descrição do estado de um sistema, de uma equipa, de uma obra de arte e não um juízo de valor. Porém transformou-se, sim, em pesado em juízo de valor.
O mesmo sucede, aliás, com as palavras lentidão e velocidade.
Algo ser lento transformou-se em sinónimo de mau, e algo ser rápido em sinónimo de bom. Quando deveria apenas ser descritivo: lento e rápido.
Ser rápido, como é evidente, pode ser bom ou mau.
Se, numa situação, o que se exigir for lentidão, ser rápido é mau
(é preciso falar como as crianças).
E se a situação exigir lentidão, ser lento é bom.
Devemos, pois, treinar a rapidez, claro, mas também treinar a lentidão. No jogo - por vezes é preciso jogar lento, outras vezes é preciso jogar rápido - e no resto. Na vida, por exemplo.
Duas frases sensatas
3 A alguém que está há demasiado tempo parado, podemos dizer: - Não estejas tão equilibrado.
Para alguém que acabou de cair, podemos dizer:
- Não te desequilibres tanto.
Equilíbrio, esqui e natação
4 - Claro que, em certas actividades, o desequilíbrio tem consequências fortes, até ósseas. Veja-se este diálogo entre duas personagens do livro Não bebas dessa água, de Woody Allen:
«Magee - Eu gosto do Inverno. Porque gosto de esqui.
Susan - Nunca fiz esqui, mas adorava fazer.
Magee - Talvez um dia depois disto tudo acabar, eu te possa levar a esquiar. Ias adorar. É muito romântico. Uma vez até parti a bacia.»
Um sujeito que pratique esqui também deve encontrar, diríamos, um grande equilíbrio entre o equilíbrio e o desequilíbrio, isso sim. Um esquiador avança entre três estados limite: num estado, equilíbrio total: estar parado. No estado do meio, no caminho do meio, desequilíbrio útil ou mesmo perfeito, quando esquia a grande velocidade controlando a situação; e, terceiro estado, a queda - esse fantasma que anda sempre ao lado do desequilíbrio e da velocidade; a queda: filho do desequilíbrio e da velocidade.
E lembrar, por fim uma personagem, do mesmo Woody Allen, que sonhava em ser um grande atleta, mas que se resigna:
«Eu quis ser um nadador olímpico, mas tive alguns problemas de flutuação.»