Enquanto há vida há esperança… até para o Sporting

OPINIÃO03.09.202003:00

Conta Hesíodo, um poeta grego da Antiguidade Clássica, que Pandora, a primeira mulher criada pelos deuses, abriu uma caixa (na realidade seria uma jarra) de onde saíram todos os males. Daí ficou a expressão caixa de Pandora, mas quem a usa raramente se lembra do que ficou no fundo do recipiente, e que talvez seja a mais importante questão moral da história. No fundo, ficou a esperança.
Não há sportinguistas sem esperança, desde logo é a sua cor - o verde. Além do mais, nas longas travessias do deserto que regularmente - e desde 1982 - temos feito, sem esperança não haveria adeptos do futebol. Bem sei que o clube é eclético, e nisso leva a palma aos outros, que consegue feitos brilhantes em várias modalidades de que nos devemos orgulhar, mas sejamos honestos: sem vitórias no futebol tudo parece fenecer, desabar e entrar numa convulsão que não aproveita a ninguém.
A pré-época, para quem liga aos seus resultados (que não são o objetivo essencial das partidas) parecia começar desastrosa, depois de uma derrota com o Farense e com a equipa B, mas terminou esperançosa, após uma vitória sobre o Portimonense e outra contra o falso Belenenses. Não foram grandes testes, mas nos dois últimos jogos (os únicos que eu vi, bem com a generalidade dos adeptos de futebol) houve apontamentos interessantíssimos. Nomeadamente de Pedro Gonçalves, Nuno Mendes, Gonçalo Inácio e até de Adán, para não mencionar outros que já conhecíamos da época anterior, como Wendel, Sporar ou Jovane. As contratações não são sonantes, longe disso, mas como muito bem disse Bruno Fernandes a este jornal, na longa e magnífica entrevista que concedeu terça-feira, não são nomes sonantes que ganham jogos.
Com Rúben Amorim vê-se uma lógica, um fio de jogo e uma aposta em atletas-chave. Algo que não parecia acontecer com os técnicos que o precederam na época passada. E, ainda que não creia que o Sporting consiga uma equipa para dar muito nas vistas na Europa, ou ganhar o campeonato em Portugal, talvez tenha um conjunto de jogadores valiosos, jovens e com garra, que possam contrastar com o desastre que foi 2019/2020. A presença de oito jogadores na seleção sub-21 confirma, de resto, que esse é o caminho certo. Nesse aspeto, Frederico Varandas tem razão e, se não vacilar no caminho, pode contribuir para um clube menos tumultuoso.

Mas há fantasmas…

No entanto, apesar da esperança e do verde no futuro, subsistem fantasmas. Por exemplo, gostaria de perceber melhor o negócio com o Sporting de Braga, que envolve o treinador. O Braga queixar-se de que o Sporting não lhe paga é suficientemente grave para que devamos exigir cabal esclarecimento. A ideia de um clube que pode ser caloteiro não me agrada, e penso que não agradará a muitos sportinguistas do coração, daqueles que põem os interesses do clube à frente, sabendo que os interesses do clube não podem ser dissociados dos seus valores.
A ideia central do programa desta direção era fantástica: unir o Sporting. Para isso, há que ser transparente, proativo e lúcido. Não se pode deixar sem resposta questões que assaltam todos os sócios. Por exemplo, o facto de o jornal e a Sporting TV serem vistos como meros órgãos da Direção e não, como seria de esperar para quem quer unir o clube, abertos à pluralidade de ideias, desde que apresentadas com a devida elevação (e educação) é um erro que a prazo se pode vir a pagar. Como, por exemplo, a péssima comunicação sobre o problema das Game Box da época anterior. Penso que o Sporting deve cinco jogos a quem comprou a GB e começou já a devolver o dinheiro, três meses depois do anúncio. Pessoalmente, não esperava que me devolvessem nada, mas penso que haverá sócios com a vida afetada pela pandemia, a quem faz sentido dar uma compensação. Entendo, mesmo, que se a comunicação nessa área fosse bem dirigida inúmeros sócios estariam dispostos a esquecer o fim da época e aquilo que o Sporting lhes deve (em teoria); não havia necessidade de tratar todos por igual, mas sim de trazer os adeptos para o centro das preocupações do clube.
O mesmo, aliás, se coloca para esta época de incertezas quanto à possibilidade de entradas no Estádio. Que fazer? Vender GB como apoio simbólico? Esperar pela autorização da DGS? É difícil, como difícil é fazer Assembleias Gerais, mesmo para aqueles que entendem o e-Voto como um avanço significativo.
Seja como for, todos s movimentos da atual direção deveriam ter como farol a unidade do clube. Não só porque o Sporting necessita de paz, como porque o regular funcionamento das instituições do clube é fundamental para os resultados desportivos. Não sendo pessimista, recordo que o acumular de problemas, de fugas em frente, de adiamento de decisões costuma acabar mal. Às vezes, mesmo muito mal.

O que aí vem

Depois do troféu Cinco Violinos contra o Nápoles, a 13 deste mês - jogo que é sério -, o Sporting começará a Liga, em casa, contra o Gil Vicente (dia 20), encontro que tem óbvia obrigação de vencer. E, quatro dias depois (24), defrontará, ainda em Alvalade, o vencedor do jogo entre o Viking, da Noruega, e o Aberdeen, da Escócia, que se terá realizado a 17.
Apesar de já termos sido eliminados da Europa pelo Viking, qualquer das equipas está ao alcance do Sporting, ou mesmo de clubes com inferior potencial da nossa Liga. Mais difícil parece a primeira deslocação do Sporting, ao sempre perigoso Paços de Ferreira, apesar de lá não deixar pontos desde 2015.
Esta Liga será estranha a diversos títulos. Desde logo, pela ausência de público nos primeiros tempos, e também porque não sabemos como vai a pandemia evoluir, embora eu tema que vá para pior - como todos os indicadores apontam. A ser assim, se verá como a qualidade do nosso futebol se ressente, sendo que está cada vez mais visível não ser o nosso campeonato maior algo apetecível para os grandes jogadores. Repare-se que as grandes contratações dos nossos clubes foram, ou de jogadores com alguma idade, ou de profissionais de clubes e Ligas inferiores. Chegou-se ao ponto de o Benfica pagar 25 milhões por um futebolista do Almería, da segunda liga espanhola.
Diversas causas contribuem para este progressivo apagamento da nossa Liga no plano internacional. Uma é, sem dúvida, o facto de ter clubes a mais e competitividade a  menos, como já referi várias vezes; outra, deve-se aos impostos que os jogadores pagam em Portugal, comparados com os de outras latitudes, o que obriga os clubes portugueses a ter de desembolsar muito mais dinheiro para oferecer o mesmo salário líquido que noutras paragens. A montante, está o poder do dinheiro, que escasseia por cá. Aliás, o futebol, como se pode ver com os casos do City, do PSG, do Leipzig, é cada vez mais para quem tem milhões de euros. Embora, como se pode retirar dos 8-2 com que o Bayern esmagou o Barcelona, o dinheiro não seja suficiente. O modelo do Bayern, que gasta muito menos na equipa do que os seus principais rivais franceses, espanhóis, italianos e ingleses, é um modelo de gestão a estudar.
Algo de que o Sporting também está carente. Um modelo que permita, com a escassez de capital aliada à quase ausência de cash flow que a pandemia trouxe, construir uma equipa que nos possa trazer esperança, porque a esperança é a última a morrer.