Enfim, a retoma

OPINIÃO31.05.202003:45

1 - O futebol vai regressar. A Liga NOS vai ser retomada. A partir de quarta-feira teremos futebol , ao vivo, a cores e pago,  quase todos os  dias. Até finais de julho, assim o esperamos e desejamos. Vai ser, como já televimos na Alemanha ou na Coreia do Sul, por exemplo, um futebol diferente. Um futebol sem público, sem os sons dos adeptos e em que se escuta um silêncio arrepiante, só perturbado pelo som do pontapé na bola ou as advertências dos treinadores. Este futebol, em que as imagens ou os cachecóis dos adeptos são as referências nas bancadas, é o futebol possível face a este vírus que, em coroa, nos condiciona seriamente. Mas o que é relevante é que a Liga NOS é retomada e vamos aprender a viver, e a sentir, uma forma diferente de ver o futebol que nos prende e nos emociona, que nos aproxima e nos apaixona, que me leva a ser rival  do Dias Ferreira, do Joaquim Barbosa, do Eduardo Barroso, do Luís Duque, do João Pessoa ou do Manuel Serrão, entre tantas e tantos outros amigos(as). E a amizade, a verdadeira e profunda, está para além das cores e das paixões, das sensações e, diria mesmo,  das vibrações! Direi que já tenho saudades da luta pelo ponto e da festa do golo, das pausas para o VAR e da minha visão das linhas de fora de jogo, das incidências do jogo e dos impulsos das bancadas, das conferências antes dos jogos e dos comentários após as partidas, das análises e das classificações dos jogadores aqui feitas, do  jogador do jogo ao falhanço da partida. Crescemos  e  vivemos, nesta nova  normalidade que nos invadiu , um outro tempo do futebol. Mas vamos viver, enfim, e entre nós, e a partir da próxima quarta-feira, uma retoma, bem diferente, do futebol. Será mesmo uma experiência diferente!

2 - Entretanto, fora dos relvados, e para além dos múltiplos testes a que responsavelmente serão sujeitos os jogadores , vamos acompanhar outras disputas. Sabendo que o processo Alcochete terminou com uma longa decisão (589 páginas!) da primeira instância e que determinou, entre outras decisões,  a absolvição do Dr. Bruno de Carvalho. E, quase em simultâneo, o Dr. Luís Nazaré demitiu-se de presidente da Assembleia Geral do Benfica. Foram marcadas para o dia 10 de julho as eleições para os órgãos sociais da Federação Portuguesa de Futebol e com a candidatura única do Dr. Fernando Gomes. Sendo que a apresentação das listas de candidatura aos órgãos sociais deve ser efetuada até à próxima  sexta-feira, dia 5 de junho. E na Liga Portugal, e para lá da efetiva não entrada em vigor nas primeiras jornadas  das cinco substituições, teremos uma quente Assembleia Geral no próximo dia 9 de junho. O certo é que o futebol português, com uma cautela jurídica que impressiona, não concretiza as cinco substituições extraordinariamente admitidas. Mas, ao mesmo tempo, e sem assembleias gerais,  determina subidas e descidas de divisão. Ou seja, cinco substituições para já não são possíveis. Mas, sim, uma das essências do futebol, que é o chegar mais alto, efetiva-se por decisão diretiva. E esta singularidade,  bem nossa, não deve ser ignorada, no futuro bem próximo, pela Assembleia geral da FPF e, permitam-me,  deveria constar de uma alteração ao contrato existente, em vigor, entre a mesma FPF e a Liga Portugal, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

3 - Estas largas semanas de efetivo confinamento, agora atenuado, levaram-me a rever artigos, a reler reflexões realizadas e a folhear livros que publiquei. Tive presente as palavras de Frei João Álvares: «A memória  das coisas passadas  dá conhecimento para as do presente e avisamento das que são por vir!»  Uma delas tem de ver com a Liga de Clubes, assim mesmo identificada em 1991 como a Liga Portuguesa de Clubes de Futebol. O que sei é que em 1960 a Lei nº. 2104 estabelecia as bases para a classificação dos praticantes de desportos como amadores, não amadores e profissionais e só em 1967 - também se demorava a regulamentar naquele tempo … - uma portaria aprovou o regulamento das relações entre os clubes e os jogadores de futebol. Em 1975, na sequência do 25 de abril, foi publicada a portaria de regulamentação do trabalho dos jogadores de futebol. Esta portaria, que classificava os jogadores profissionais em duas classes,   a A e a B, surgiu num momento em que, no quadro europeu da altura,  se abordava intensamente a questão do amadorismo, e da sua face obscura, o profissionalismo. O desporto era  confrontado com as competições  profissionais e a necessidade do seu enquadramento e  regulamentação. Nascem as Ligas de clubes, entre nós, semanticamente designada numa primeira fase, como «organismo autónomo». A nossa anterior Liga, que na década de oitenta do século passado foi dirigida por Lito Gomes de Almeida, vem ganhar relevância no princípio da década de noventa com a liderança - já no Porto e na sede então na Rua da Alegria, 894 - de Valentim Loureiro. Que se demite, em 1994, por causa de divergências em relação ao pagamento de impostos ao Estado, e vem a ser substituído pelo então presidente do Benfica, Manuel Damásio. Logo no ano imediato, e no primeiro momento de organização do principal campeonato pelo novo «organismo autónomo» - de verdade a Liga - vem a assumir a liderança o presidente do Futebol Clube do Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa. Que é substituído por Valentim Loureiro em 1996, permanecendo dez anos como presidente até à eleição em 2006 de Hermínio Loureiro. Em 2010 Fernando Gomes assume a Presidência  - sai para a FPF - , em 2012 entra Mário Figueiredo, em 2014 é Luís Duque e a partir de 2015 assume a presidência Pedro Proença. A Liga teve, assim, oito presidentes nos últimos 30 anos e a Federação Portuguesa de Futebol teve dois, ou se quisermos três: Vítor Vasques (1993-1996), Gilberto Madail (1996- 2011) e Fernando  Gomes desde então. Na Federação há estabilidade e reforço da influência e, também, da legitimidade, acrescida com a múltipla conquista de títulos, e por excelência, do Europeu de França.  Na Liga só Valentim Loureiro e, agora, Pedro Proença aguentaram mais de um mandato. O que não deixa de ser significante e que deve levar a refletir acerca do que pensam - e querem- os principais clubes profissionais de futebol. Reflexão que vamos continuar a fazer ao longo desta semana em que a retoma da Liga NOS se vai concretizar! Para alegria de milhões. E levando-nos sempre a Kim Hubbard e da sua convicção de que «quando alguém lhe disser, ‘não é uma questão de dinheiro mas de princípio’, trata-se de uma questão de dinheiro!» Trata-se mesmo!

4 - Permitam uma rica e suculenta sugestão de leitura de um grande nome deste jornal, o António Simões. O livro é «Desporto com Política». Na página 293 conta-nos que em finais de 1974 o Cova da Piedade não entregou, como regulamentarmente estava estipulado,  as percentagens das receitas do jogo contra o Estoril nem à Associação de Futebol de Setúbal nem à própria Federação. E dizia o então Presidente do Cova da Piedade: «É um ato revolucionário. (…)  Uma exploração. Não temos jogadores profissionais, temos de abrir o clube ao povo, portanto vamos gastar o dinheiro com que ficámos e ficaremos nisto!» Que rica leitura, acreditem!

5 - Uma nota final. Em Espanha os  operadores  televisivos oferecem os jogos da Liga aos lares da terceira idade.