Encontro de irmãos

OPINIÃO12.03.202106:00

Justiça de se reconhecer o notável defesa que é Pepe e a injustiça de se crucificar Ronaldo

N ÃO deixa de ser tão irónico que dois dos melhores amigos que o futebol português certamente conhece, Cristiano Ronaldo e Pepe, estejam, ao mesmo tempo, a viver emoções tão diametralmente opostas após terem-se encontrado como adversários ao mais alto nível, pela primeira vez desde que se tornaram tão profundamente amigos.
Quis, na verdade, o destino que Cristiano Ronaldo e Pepe tivessem que esperar quase 18 anos para voltarem a estar, frente a frente, no mesmo relvado, mas desta vez num combate de gigantes na mais importante competição de clubes do mundo.
A última vez que Cristiano e Pepe tinham sido adversários sucedeu em abril de 2003, num Marítimo-Sporting (0-3) para o campeonato português, com Pepe a titular na equipa da casa e Cristiano Ronaldo a ser suplente utilizado (no último quarto de hora)  na equipa leonina.
Seis meses antes, em novembro de 2002, quando ambos foram titulares, e pela primeira vez adversários, no Sporting-Marítimo da 1.ª volta  (2-0) desse campeonato, estavam certamente muito longe de imaginar como viriam a tornar-se tão, mas tão particularmente amigos, e, ainda, nos dois jogadores portugueses com melhor currículo da história - o de Cristiano Ronaldo nem vale a pena descrever, como se imagina, mas o de Pepe vale sempre a pena recordar todos aqueles, porventura, mais distraídos, que de repente nem se lembrarão que, aos 38 anos, este português nascido - mas só nascido - no Brasil tem na folha de serviço, só em competições internacionais, qualquer coisa como três Liga dos Campeões, uma Intercontinental, dois Campeonatos do Mundo de clubes, uma Supertaça Europeia, tudo pelo Real Madrid, mais uma Liga das Nações e um Campeonato da Europa pela Seleção portuguesa.

A GORA que voltaram, 18 anos depois, a estar cada um do seu lado da barricada, Cristiano Ronaldo e Pepe sabiam, evidentemente, que só um acabaria por ser feliz, porque se tratava de um jogo «mata, mata», como diria Luiz Felipe Scolari, um dos grandes mentores na carreira de ambos.
O que não podiam seguramente prever era verem-se envolvidos em cenários de impacto tão diferente - Pepe, sobre quem a Europa do futebol (com ou sem razão) costuma, há muito, olhar um pouco de lado, acabou esta semana recordado e elogiado, aos 38 anos, sublinho, como um dos melhores defesas-centrais do mundo (e é, realmente, um dos melhores do mundo!), e Cristiano Ronaldo, a quem a Europa há muito se rendeu, acaba agora acusado de ser, imagine-se, o maior responsável pelo insucesso da sua equipa (e não é, nem de perto, o principal responsável pelo que sucedeu.
Pepe, sim, justifica indiscutivelmente os maiores elogios; mas merecerá Cristiano, por muito pouco que tenha jogado nesta eliminatória FC Porto-Juventus, o que Itália lhe está a fazer e meia Europa parece seguir?
 

 

D IZ-NOS a verdade desta eliminatória FC Porto-Juventus, e sobretudo do jogo desta quarta-feira em Turim, que Cristiano Ronaldo esteve bem abaixo do nível habitual e não foi apropriada a ação da estrela portuguesa na famosa barreira feita ao livre direto que Sérgio Oliveira transformou no 2.º (e decisivo) golo portista.
Cristiano não devia ter virado as costas à bola; mas não devia ele, nem o espanhol Álvaro Morata, nem o francês Rabiot. Estavam todos na barreira e todos tiveram ação deficiente. Mas talvez o pormenor decisivo não tenha sido sequer esse, mas a falta de um jogador da Juventus que se tivesse deitado no chão, atrás da barreira, para impedir que a bola passasse, como passou, por baixo e rasteira, rematada, com muita inteligência, por Sérgio Oliveira.
Não ter, como tantas vezes temos visto, por exemplo, na liga inglesa, um jogador que se deitasse atrás da barreira é, naturalmente, culpa do treinador e não de Cristiano. Talvez a Juventus sofra de algum mal burguês e não queira sujeitar-se ao que Pep Guardiola e Jurgen Klopp, para referir apenas bons exemplos, pedem já às suas equipas - um jogador literalmente deitado atrás da barreira para evitar o que a Juventus não soube, agora, impedir.
Além disso, a pobre exibição de Cristiano Ronaldo, na visão que dela têm os italianos, ainda deu, porém, para fazer a assistência para Federico Chiesa, de forma exemplar, fazer o primeiro golo da Juventus, e deu ainda para sofrer uma falta de Marchesín, merecedora de grande penalidade que o árbitro não assinalou, tal como já sucedera, também, no jogo da primeira mão, no Porto, numa falta igualmente não punida com castigo máximo, cometida então por Zaidu sobre o mesmo Cristiano Ronaldo.

F OI Pepe verdadeiramente monstruoso agora em Turim - quanto mais exigente o desafio, maior monstro costuma ser Pepe - mas não pode a Itália do futebol querer transformar Cristiano Ronaldo na maior (e muito menos na única) das bestas neste repetido fracasso da Juventus na Liga dos Campeões.
Recordo que no último verão, quando a Juve tombou, de novo em casa, também nos oitavos de final, vencendo, mais uma vez com sabor a derrota, o Lyon por 2-1, foi Cristiano que fez os dois golos, e nessa altura ninguém teve a lata de o crucificar apesar da estrondosa queda da equipa, que não conseguiu assim vir jogar a final a 8 que Lisboa, como nos recordamos, tão bem recebeu, mesmo sem público, num já muito difícil tempo de pandemia.
Agora, já ninguém parece resistir a apontar-lhe o dedo, e é para ele que parece sobrar, com tudo o que de injusto isso pode ter, o peso de todas as críticas. Já sabemos que faz parte: quanto maior a grandeza de um jogador, maior o impacto, para o bem e para o mal. Mas convém ser prudente e tomar a medida certa.
Toda a Europa vê que a equipa da Juventus joga menos do que devia, tem menos organização do que se exigia e muito menos compromisso do que se lhe pedia. E não é, seguramente, por causa de Cristiano Ronaldo. Aproveitar-se este momento de insucesso da Juventus para se afirmar que Cristiano Ronaldo foi o maior erro cometido pelo gigante clube de Turim, como afirmou um antigo presidente do clube, é um desplante difícil de qualificar. E nem mesmo ao grande Fabio Capello ficam bem as palavras que parecem responsabilizar unicamente Cristiano por este desaire da Juve.
Enquanto a Europa elogia Pepe, Itália aponta a Cristiano Ronaldo. Faz dele o alvo de toda a frustração por ver cair a velha senhora. Um dia destes, ainda culpam Ronaldo da Torre de Pisa estar inclinada!… 

P EPE veio para Portugal para jogar na Ilha da Madeira, onde nasceu Cristiano Ronaldo. Nasceram ambos em fevereiro, aliás, ainda que com dois anos de diferença. Pepe é o mais velho desta espécie de dupla de irmãos.
Quis o destino que, em 2002, ambos se cruzassem (e começassem a criar amizade), convivendo por um par de semanas nos treinos do Sporting, onde Pepe foi avaliado e, por fim, rejeitado, e Cristiano se preparava já para dar o definitivo salto para a equipa principal dos leões. Mais tarde, Pepe chegaria (em 2007) ao Real Madrid dois anos antes de Cristiano Ronaldo (que chegou em 2009). E Pepe viria a sair de Madrid (em 2017) um ano antes de Cristiano (que deixou o Real em 2018).
No colosso da capital espanhola, Pepe e Cristiano jogaram juntos oito épocas; mas, tomem nota, estão juntos na Seleção portuguesa há 14 anos! É por isso que se pode afirmar, sem a mínima dúvida, que nenhum outro jogador da história jogou tanto tempo ao lado de Cristiano quanto Pepe.
E isso faz toda a diferença na amizade entre dois jogadores realmente gigantes na história do futebol, que, além do que passaram em Madrid, é bom não esquecer, também já jogaram juntos três Mundiais (2010, 2014 e 2018) e três Europeus (2008, 2012 e 2016).
Só um viveu, esta semana, um final feliz. Mas podem, e devem, ambos, ter o maior orgulho, evidentemente, por todos os finais felizes que viveram e partilharam. E por todos os finais felizes que nos deram, a todos nós, portugueses, apaixonados pelo futebol!


PS: O melhor elogio que se poderia fazer ao comportamento dos jogadores do FC Porto na gloriosa noite com a Juventus, em Turim, fê-lo Paulo Futre, nas redes sociais. «Se tivessem de morrer em campo, tinham morrido!». A Sérgio Conceição, talvez o melhor dos elogios seja o de reconhecer que a sua capacidade como treinador é proporcional ao mau feitio. E isso não é problema. Pelo contrário. O mau feitio é muito mas o treinador é grande. O problema é quando pisa o risco. E pisa muitas vezes. Perceberá que não compensa se for para uma grande liga europeia, onde possa ser muito mais, ou mesmo só, um grande treinador!