Encontrar o caminho!...

OPINIÃO01.06.201902:10

Há uma semana, terminei o meu artigo, dizendo: hoje quero a vitória na Taça de Portugal, como um bálsamo do presente, que nos recorde o passado. Mas que essa vitória não sirva para adiar o futuro, porque o futuro já não permite mais adiamentos!...
A Taça de Portugal já cá canta e, mais que um bálsamo, foi um triunfo muito saboroso na circunstância, e nas circunstâncias. Equipa e adeptos sofreram - o que é para nós rotina - e por isso a vitória sabe ainda melhor. Houve de tudo naquela final, onde até se confundiu hipocrisia com sentido de Estado, e frontalidade com má educação. Mas não é tempo de se gastar cera com tão ruins defuntos, e o bom e o mau de sábado passado é mesmo passado. O futuro está aí a bater a porta.
Na Quinta da Bola da passada quinta-feira tive ocasião, que, de resto, não foi a primeira, de expor aos restantes participantes no debate - os jornalistas Vítor Santos e José Manuel Delgado, e Fernando Seara e Toni - aquilo que penso sobre os clubes portugueses e os desafios da Europa, designadamente o que sinto e penso sobre o futuro imediato do Sporting, que é, dos três grandes, o que terá, na minha opinião, mais necessidade de antecipar o futuro.
Como todos os que me conhecem sabem, e bem assim os que têm a pachorra de ler os meus artigos ou assistir aos programas em que participo, tenho quase quarenta anos de ligação e intervenção no desporto, e particularmente no futebol. Com currículo, faltando-me apenas cadastro, o que talvez explique algumas coisas!...
Comecei com o cargo de vice-presidente para o secretariado-geral do Sporting Clube de Portugal, convidado por João Rocha. Aceitei esse convite, que muito me honrou e me marcou para o resto da minha vida, porque a sua personalidade e visão entusiasmaram-me, bem como a muitos outros sócios, nos anos de 73/74. A Sociedade de Construções e Planeamento SARL foi um projecto que considero a antecâmara das sociedades anónimas desportivas, então ainda sem previsão legal. Tenho-o dito em muitos lugares, e em muitas ocasiões, sem prejuízo do entusiasmo e alegria com que recebi a liberdade do 25 de Abril, que se esta alteração política tivesse ocorrido um ano ou dois mais tarde, o Sporting teria disparado em Portugal e ter-se-ia antecipado ao futuro europeu, tal como o Visconde tinha delineado. Nunca poderei provar isto, mas é uma das profundas convicções que tenho, e com as quais irei morrer!
O Sporting Clube de Portugal era então um clube formado e organizado como associação sem fins lucrativos, nos termos do Código Civil. Recordo, com um sorriso que traduz um sentimento que não sei descrever, que o Sporting tinha entre as personalidades que integravam os órgãos sociais um representante junto da Associação das Colectividades de Cultura e Recreio. O Sporting, como os seus rivais e adversários, era, na realidade, uma colectividade. Compreendem assim o meu sorriso!...
Havia associações e a federação, mas estas preocupavam-se apenas, ou principalmente, com a organização das competições internas, e pouco com a gestão dos interesses dos clubes. Começava a sentir-se que os problemas dos clubes já não se resolviam com os mecenas ou homens muito ricos e começaram a aparecer os primeiros dirigentes que vieram para os clubes para resolver os seus problemas e interesses. Foi assim que surgiu o Movimento dos Presidentes, depois a Associação Nacional de Clubes e a Confederação de Clubes e, finalmente, a Liga, ainda que esta já existisse antes de tudo, mas, praticamente, apenas no papel e ou para meros efeitos de contratação colectiva!
Tive a sorte de participar em todas estas movimentações, como vice-presidente do grande impulsionador que foi sempre João Rocha, com todas as virtudes e defeitos. O que essa gente - e digo-o com ênfase para não os confundir com a gentalha que hoje em dia anda por aí a infestar o futebol - conseguiu o que a esta distância parece ridículo, mas teve então uma importância decisiva. Com efeito, o regime especial do imposto profissional (hoje, IRS) para os desportistas profissionais, o policiamento gratuito, a obrigação dos campos relvados, novas fontes de receita, como o bingo e as bombas de gasolina, foram algumas das conquistas que hoje dão vontade de rir, porque hoje isso não paga certos jogadores!...
E conseguiram porque se sentaram à mesa, nos dois sentidos - o da negociação e o da alimentação - para, independentemente das suas rivalidades e simpatias pessoais, tratar dos interesses comuns dos clubes. Os dirigentes eram adultos, e não crianças mimadas ou simplesmente mal criadas.
A indústria do futebol evoluiu de uma forma extraordinária e quatro décadas depois nada tem a ver com esse tempo. Hoje, a polícia podia pagar para fazer o policiamento, os clubes em vez do bingo podiam ter casinos e bombas de gasolina em cada esquina, que isso não resolveria quase nada.
As sociedades anónimas desportivas nasceram tortas em Portugal e, por isso, como tudo o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Não será o caso porque será por aí que terá de se encontrar a solução. Criou-se a ideia, com apoio legal, de que as sociedades anónimas desportivas se destinavam apenas a tornar a gestão mais rigorosa. Por isso, a primeira legislação nem admitia o lucro!...E criou-se também a ideia de que os accionistas tiravam o entusiasmo e a paixão clubista. Nem pensar perder a maioria do capital e quem o defender é herege para ser queimado numa qualquer fogueira. Têm razão. O futebol inglês é fastidioso, cansativo, sonolento; os estádios estão vazios; os clubes não jogam nada e é estranho que não despertando qualquer interesse tenham tornado a liga inglesa, uma das mais, senão mesmo a mais apetecida liga do mundo. Esses clubes ingleses, sociedades anónimas há mais de um século, qualificaram-se para as finais das competições europeias, por mera casualidade e sorte. Acabaram com o poder do hooliganismo e deram cabo do espectáculo, pois os jogos de futebol mostram fair-play, têm cânticos, são uma coisa sensaborona, sem qualquer interesse ou entusiasmo. Bonito mesmo, são insultos gritados ou escritos, porque isso é que a pureza do associativismo e, sem isso, não há futebol!...
Por isso, enquanto hoje se deviam discutir as competições europeias e qual o futuro dos clubes portugueses nessas competições, nós, em Portugal, entendemos que importante são conversas ou discussões de pátio. Importante realmente é discutir durante várias horas, em vários programas, televisivos e radiofónicos, e mesmo na imprensa escrita, o não aperto de mão do Sérgio Conceição ao Presidente do Sporting. Preocupam-se apenas com o aspecto visual do facto, e não com a mentalidade e cultura que está por detrás disto, que, esses sim, são aspectos que importaria discutir!
As empresas petrolíferas investem onde há petróleo. Portugal tem a matéria-prima do futebol: jogadores e treinadores. Não querem, porém, investidores nas suas sociedades anónimas desportivas, porque isso acabaria com as vendas dos jogadores, e as competentes comissões. Dir-se-á que não temos mercado. Mas o futuro dos três grandes está no mercado europeu, e não no mercado nacional, que se contenta apenas com cantigas de escárnio e maldizer!...
Estou feliz com a vitória na Taça de Portugal! Mas é passado e a taça já está no Museu da nossa história. Mas a nossa história tem que continuar e é isso que me preocupa: o futuro! Estou farto de anos zero e de anos um. Quero o ano um, o dois, o três ou quatro, mas de um projecto com um objetivo concreto, com principio, meio e fim. Por mim, continuarei a dar o meu pequeno contributo para essa discussão fulcral e inadiável no meu clube. Sem tibiezas, nem preconceitos. Não quero ter razão, nem penso que sou o dono da verdade. Mas quero que me demonstrem que não tenho razão e que o caminho é outro!...