Em ondas diferentes

OPINIÃO06.11.201803:00

Um presidente que suporta  o desconforto de assistir  à festa do título do clube rival no relvado da Luz, que aguenta o choque provocado pelo golo de Kelvin e a humilhação de ver o seu treinador caído do joelhos no Estádio do Dragão, que resiste ao furacão devastador de 2013, que apanha um soco no estômago  com o golo de Herrera e que não abdica de enfrentar o futuro depois da vergonha que foi a última participação na Champions, um presidente que no seu caminho de pedras e armadilhas passou por tamanhas provações de certeza que não treme nem vacila com o adejar de lenços e lencinhos.


Luís Filipe Vieira, de longa e sólida experiência, apercebe-se dos  problemas antes dos adeptos e dos jornalistas, e não estarei a dar novidade alguma se disser que, muito provavelmente, estará já a prever cenários e a trabalhar nas melhores  soluções para cada um deles, sendo minha convicção que, em face do corrupio de notícias e ‘não notícias’, nenhuma será rebuscada no baú das coisas usadas.  
O Benfica perdeu com o Ajax, mas não contou, porque foi uma crueldade do além, perdeu com o Belenenses, que também não contou, porque foi  magia, e perdeu com o Moreirense, que igualmente não contou, porque, digo eu, foi resultado atípico, para recolocar na mesa um termo do agrado de Vitória quando lhe faltam  palavras para explicar o convívio com insucesso.  
Três derrotas assim pobremente resumidas por quem se pronuncia  embalado pela conveniência e não pela coerência, uma prática, aliás,  seguida pela generalidade dos treinadores de futebol, embora deva assinalar-se que, ao nível da decência,  ainda há quem respeita a linha de fronteira entre a realidade e a ficção.
 
Apesar do momento delicado que o futebol do clube atravessa, Luís Filipe Vieira reforçou o seu apoio a  Rui Vitória ao elege-lo como homem certo para o projeto do futebol do Benfica e sustentou essa posição com iniludível entusiasmo na entrevista à TVI. No dia seguinte, manteve a mesma linha de raciocínio, durante jantar oficial, em que não só reforçou a confiança no futuro da instituição como promoveu amedrontado sonho a pretensão legitimada pelo trabalho e pela vontade.  


Afirmou Vieira, em animada intervenção, a propósito dos 15 anos da sua presidência e da inauguração do novo Estádio da Luz, que  apenas abandonará o lugar quando for campeão europeu (leia-se vencer um título europeu). O que suscita uma discussão curiosa: de um lado os que não acreditam que alguma vez o Benfica volte a chegar tão alto e do outro os adeptos  com mais idade, e que sabem o que é viver alegrias como as de Berna e de Amesterdão, que defendem que se trata de um objetivo umbilicalmente ligado à projeção da águia no mundo e que, por isso mesmo, independentemente de ser alcançado ou não, manda a grandeza e a história do emblema que jamais seja apequenado.


 Por coincidência, ou talvez não, Domingos Soares Oliveira, um dirigente de topo e homem de saber e conhecimento, pensa que «o Benfica será dos dez melhores clubes europeus daqui a 15 anos». Patrocina, portanto, os sonhos do presidente e considera haver condições para concretizá-los, ou concretizar o mais almejado, por existirem condições para «ambicionar esse sonho». Sem data, talvez daqui a cinco anos ou dez, menos ou mais, o importante é acreditar que é este o rumo.

O treinador, como bom chefe de família, prefere jogar pelo seguro e ficar  em terra, protegendo-se de ventos e marés em vez de cavalgar a onda de quem lhe propõe um desafio ‘delirante’, na perspetiva de Miguel Sousa Tavares - idêntico ao de José Mourinho em 2004, por exemplo, quando conquistou a Liga dos Campeões para o FC Porto e que por ter sido tão atrevido, ao tornar o sonho em realidade, acabou por sair pela porta da cozinha…


 Vitória, mesmo não sendo Mourinho,  poderia oferecer um discurso mais saudável e motivante. Comunicar na mesma onda de Vieira…
 Ora, perante a exaltação presidencial, travou a fundo e refugiou-se num conjunto de frases de significado vago, como quem foge do risco, imagem do seu futebol previsível e avesso a surpresas. Como começa é como acaba. Respondeu ele:  «eu também sou muito otimista, mas dentro da racionalidade», «isso tem de ser  algo muito bem estruturado, pensado e bem executado», «é uma visão que o presidente tem, mas há muito trabalho pela frente», «isso foi dito num contexto diferente, presidencial, até mais alargado», «acho que é uma ambição que se pode ter e que se tem de ter», mas «há muito trabalho a fazer».


Com o respeito que Rui Vitória me merece não se percebe nada.  Sim, está de acordo, mas com as convenientes reticências. A dificuldade do treinador em lidar com um plantel que, não sendo brilhante, tem qualidade para jogar muito melhor e ser campeão colide com o sonho europeu do presidente. Se calhar...