Em fora de jogo estamos nós

OPINIÃO30.12.201903:00

Prefiro, por agora, não entrar na discussão sobre se deve, ou não, dar-se uma tolerância de alguns centímetros nos foras de jogo. Dependerá sempre, julgo, da justificação que me derem. Caso digam que as linhas que vemos nas transmissões televisivas, aparentemente oficiais, não são fidedignas, é provável que esteja de acordo. Se me disserem que é, apenas, injusto anular um golo por um centímetro é mais provável que seja contra, porque chegará, de certeza, o dia em que, num qualquer jogo decisivo, um centímetro será suficiente para fazer a diferença na forma como quem marca o golo chega à bola e entraremos, aí, em nova discussão que é, precisamente, o que as linhas de off side pretendem evitar. Por isso, para já, vou partir de dois pressupostos: 1 - As linhas que nos dão na transmissão, e que o VAR vê quando tem de decidir, são fidedignas; 2 - Um fora de jogo é, sempre, um fora de jogo, seja de um centímetro ou de um metro. Dizer mais do que isso é perder tempo, porque escancara as portas ao inútil o meu fora de jogo de um centímetro é ridículo e uma roubalheira, o teu fora de jogo de um centímetro é, apenas, a lei de que tanto nos queixámos ao longo dos anos.

Prefiro, portanto, falar de algo que me faz muito mais confusão no que à forma como nos mostram, como telespectadores, a decisão que, numa sala bem longe do local onde se desenrola a ação, alguém decide, muitas vezes, o desfecho de uma partida. Já percebeu, caro leitor, a brutal diferença entre as transmissões dos jogos da Premier League e os da Liga Portuguesa? E não, não estou a falar na intensidade, no ritmo, no espetáculo. Estou a falar mesmo do momento em que o VAR entra em ação para confirmar ou anular um golo quando entra em campo a tal questão do fora de jogo que de repente tanta confusão parece fazer a tanta gente.

Das imagens que nos chegam de Inglaterra, o ecrã divide-se e na parte maior lá aparece a forma como o VAR utiliza as linhas para chegar a uma decisão. Podemos, portanto, acompanhar o momento em tempo real tudo o que está a acontecer e percebendo, de imediato, qual o desfecho da avaliação mesmo antes de o árbitro a anunciar ao estádio. Tudo às claras. Pode, depois, discutir-se, lá está, se um centímetro deve, ou não, se suficiente para anular um golo. Mas essa é outra questão. Em Portugal, claro, é tudo diferente. Temos as imagens de quem está a transmitir o jogo, é verdade, e delas podemos logo retirar algumas conclusões. Se o fora de jogo for evidente, não há sequer grande problema. A questão é quando se trata, de facto, de um off side de poucos centímetros. Lá ficamos nós à espera que alguém na Cidade do Futebol veja as imagens, lhes ponha as linhas em cima, veja onde está o pé, o joelho ou a cabeça de quem ataca, veja onde está o pé, o joelho ou a cabeça de quem defende e decida. Só percebemos se o golo é anulado ou validado quando o árbitro o anuncia no estádio. E, muitas vezes, só podemos ver o que sustenta a decisão uns minutos depois (quase sempre muitos minutos depois...) quando a repetição, já com as linhas em cima e o anúncio dos centímetros que colocavam em jogo ou fora dele o jogador que fez o golo, nos é concedida pela realização.

Prefiro - e calculo que a maioria dos telespectadores também prefira - a forma como as coisas são feitas em Inglaterra. É mais simples, mais direto e, acima de tudo, mais transparente. Como tudo no futebol inglês quando comparado com o futebol português. Nada de novo, portanto. Mas devia fazer-nos pensar. Sendo verdade que Portugal, e a Federação Portuguesa de Futebol, foi pioneira na questão do VAR, há o sério risco de, por uma questão de proteção aos árbitros que, já o escrevi, não os ajuda em nada (pelo contrário...), perdermos o comboio europeu e, pior, alimentarmos discussões absurdas em torno de uma ferramenta que devia ser unânime.