Em cada clube (e canal) vive um tribunal
1 - «Confiamos na justiça!» é o que, urbi et orbi, ouvimos em qualquer declaração prévia a uma decisão dos tribunais, seja na política, seja na economia, seja no futebol. Depois, face ao sentenciamento judicial, é que a coisa pode virar. Basta não ser do agrado de quem proferiu aquela expressão. No futebol, o assunto assume contornos do mais enviesado proselitismo, de tal modo que se discute como se de um resultado desportivo se tratasse.
O Benfica não foi pronunciado em primeira instância instrutória, pois que venha o recurso para a douta Relação que reverta a decisão da juíza porque «nós confiamos na justiça»! Os rivais assim declaram o seu amor à verdade do sistema judicial. Mas, eis que a Relação não altera a decisão de a Benfica SAD ir a julgamento. Caiu o Carmo e a Trindade! Que justiça é esta? Que incompetência por lá grassa? Para que serve o Ministério Público que acusa mal? «Incompreensível», desabafam com desânimo e indisfarçável decepção, dirigentes, funcionários, comentadores alinhados e jornalistas encarreirados em alguns canais televisivos que ficaram manifestamente de luto e que, no dia anterior, usaram as suas fontes para pressionar a decisão da Relação. Dos imaculados rivais houve comunicados-foguetão que caíram nas redacções, mal houve tempo para ler umas poucas linhas da decisão do Tribunal. A FC Porto SAD proclamou que «a SL Benfica Futebol SAD não foi pronunciada em consequência de uma ‘guerra’ entre o Ministério Público e a Magistratura». A Sporting SAD, numa visão profética, «comunga da perplexidade geral face ao Acórdão, conhecido hoje», ela que, certamente por mera distracção, não havia recorrido da decisão da juíza de instrução, como prometera («a Sporting SAD analisará os fundamentos da decisão, reservando o direito de recorrer do teor da mesma, sempre com o objectivo de repor a verdade desportiva»).
Mas, afinal, qual a surpresa da decisão da Relação? O Estado de Direito - sempre discursivamente aclamado - é só para uns, que não para outros? Será que a produção de prova pode ser substituída por achismos opinativos de quem quer confundir o desejo com a condenação sumária? Será que a sempre invocada presunção de inocência só o é, de facto, para uns, transformando-se em presunção de culpa para outros? Será - como sugerem os comunicados atrás citados - que o nexo de causalidade (fantasioso e labiríntico) entre supostos crimes (não pronunciados) e «a reposição da verdade desportiva» é assunto de carregar pela boca, disfarçando insuficiências próprias? Que pena não poderem apelar para o Tribunal Constitucional!
Conclusões que não carecem de prova e demonstração, sim, mas só para o Benfica! Será que quem, num dos processos relacionados com o chamado caso dos emails, defendeu em tribunal (e não só) que a FC Porto SAD nada teve a ver com a divulgação criminosa dos mesmos, durante meses a fio feita por um seu funcionário no canal do seu clube, agora pode sentenciar a responsabilidade da administração da Benfica SAD nos alegados crimes imputados a um seu colaborador? Já nada me surpreende no despudor e no ar pretensamente angélico de provedores do interesse público e extremosos paladinos da verdade desportiva e da moral, com uma inusitada amnésia dos fartos anos em que os métodos usados eram do piorio. E será que, no Sporting, os escribas do comunicado tiveram um súbito ataque de falta de memória e não se recordam do modo como desligaram a Sporting SAD de uma acção corruptiva a um árbitro, não por um funcionário do clube, mas por um seu vice-presidente (sim, vice-presidente, coisa pouca).
Tudo boa gente, que, no fundo, não consegue digerir o que está à vista de todos: o Benfica neste século XXI, certamente com muita coisa para melhorar, mas cada vez mais à frente na organização, na estrutura patrimonial, na qualificação de jovens talentos, na consistência estratégica e, the last but not the least, no excelente desempenho desportivo.
Há, porém, um aspecto que não posso deixar de assinalar, agora que mais um processo judicial (e já são vários) deram provimento às posições do meu clube. Não nego que estas situações me incomodam, eu que jamais abdicarei de defender um Benfica exemplarmente ético e ecléctico. Tenho a consciência de que algum mal-estar de natureza reputacional não desaparece, como que por magia, de um dia para o outro. É necessário tirar algumas ilações e prevenir certos procedimentos. É imperativo juntar ao notável salto qualitativo da estrutura e organização do clube, uma irrepreensível clareza dos procedimentos e a escolha absolutamente impoluta de quem está no Benfica com o dever de o servir de um modo intransigentemente correcto.
2 - Não pude ver, nem ouvir em directo o jogo Benfica-Gil Vicente, o que, para mim, foi um suplício porque estou completamente nas mãos de uma app do meu telemóvel aguardando que me dê boas notícias e que não me traga o seu contrário. No meio de uma festa de casamento, o primeiro alerta até foi decepcionante: Pizzi, o nosso melhor marcador, não converteu uma penalidade. Foi com o relógio a passar demasiado depressa que fiquei mais entusiasmado, na festa entre bons amigos, quando veio a notícia do primeiro golo e, pouco depois, mas antes dos doces na mesa, o descansativo golo de Pizzi. Já noite dentro, e em casa, pude rever a partida. Apesar de um nível exibicional menos conseguido, o importante foram os três pontos perante um adversário competente. Por norma, não são nada fáceis os jogos depois da debandada para as várias selecções de Portugal. Já no ano passado, e nas mesmas circunstâncias, arrancámos uma vitória ao cair do pano face ao Tondela. Este ano, além das arreliadoras lesões de jogadores que seriam titulares, 8 atletas do onze inicial andaram pelo mundo jogando pelas selecções. As excepções foram André Almeida (um mal-amado dos seleccionadores), Fejsa e Raul de Tomas. Lá fora, Atlético de Madrid, Manchester City, Juventus sofreram do mesmo problema e … perderam ou empataram.
Uma palavra para o notável início de época do primodivisionário Famalicão e actual líder isolado do campeonato. 13 pontos em 15 possíveis, única equipa sem derrotas, 10 pontos acima da linha de água, 9 pontos distanciado do Sp. de Braga e 5 do Sporting.
3 - São coincidências a mais. Xistra & Veríssimo expulsam forçadamente um vimaranense no minuto 1 . Rui Costa ou não tinha relógio, ou tinha vontade a mais, e o Porto garantiu a vitória em Portimão no tempo de compensações sobre compensações das compensações. Vejamos: aos 90 m 9 s, jogo interrompido para o VAR aconselhar (nem se perdeu tempo com o árbitro a ir ao monitor) a expulsão de Alex Telles. Aos 91 m 54 s (isto é 1 m 45 s após) é mostrado o vermelho ao portista. Antes, tinham sido dados 5 generosos minutos de compensação. O 3-2 surgiu aos 97 m e 47 s. Mesmo considerando uma substituição do lado FCP, feita evidentemente sem qualquer perda de tempo, o golo excedeu claramente a contagem justa. À noite na televisão, analistas houve que foram tudo menos rigorosos (por exemplo Rui Pedro Braz disse que «foram para aí uns 3 ou 4 minutos» por causa do VAR). Pergunto como fiz com Xistra: e se fosse ao contrário? Já na 1ª parte, a bem sucedida sociedade Costa& Vasco Santos assinalou o penálti que inaugurou o marcador, que todos - todos mesmo - ex-árbitros, que na imprensa desportiva analisam os casos polémicos, consideraram não ser falta. No fim, Folha, entre a razão e o coração, sorria na flash interview. Para ele esteve tudo bem. Final feliz, portanto.