Eleições (III)
Nenhum tema deve ser excluído de um debate. Que desilusão nenhum dos candidatos ter discutido a perda da maioria do clube na SAD
F UI a Roma e não vi o papa; fui a Roma e não vi o José Mourinho, provavelmente porque ele frequenta locais que eu não posso frequentar; fui a Roma e não vi o debate dos candidatos à presidência do Sporting Clube de Portugal; fui a Roma e vi, pela internet, o Sporting-Estoril, que este ganhou - e bem - recuperando, não do trauma do Manchester City mas da realidade que este jogo para a Liga dos Campeões demonstrou, e que só não vê, quem não quer ver. E quem não quer, também não tira conclusão nenhuma do facto de o Manchester City logo a seguir ter perdido com o Tottenham que, de seguida, perdeu com o Burnley, clube na zona de descida da Premier League.
E porque é que isto acontece em Inglaterra? Pela simples razão de que em Inglaterra não há sócios, mas sim adeptos; porque os adeptos não têm afectos com o clube; porque não há clubes, mas sim sociedades anónimas; porque os sócios não mandam, mas sim os acionistas; porque não há assembleias gerais com alguns a tentar falar e outros a gritar. Numa palavra: porque em Inglaterra não há paixão pelo futebol, aquilo é uma tristeza, os campos estão vazios e nem vale a pena lá ir, porque em cada jogo já se sabe o resultado.
Em Portugal sim, é que há competividade, a começar pelo cada vez maior número dos que se levantam dos bancos para protestar contra o árbitro e contra os adversários, sendo que, de vez em quando, também contribuem para essa competividade interessante os que lá estão para organizar o jogo, mas que, em nome dessa competividade, que gera audiências durante quinze dias ou mais, desorganizam esse mesmo jogo, para prestígio do futebol português que assim gera receitas que o futebol inglês não consegue, porque os investidores que lá metem o seu dinheiro são uns idiotas completos.
Aqui, em Portugal, nada disso se passa, porque os sócios é que mandam, e, portanto, se não há dinheiro, não há problema, porque vendem-se jogadores e compram-se outros, e os clubes estão tesos, mas pagam-se elevadas comissões, porque já se percebeu que isto é um país de comissionistas e comissões. Sem dúvidas pois que são os sócios que mandam e que são eles que pagam estas chorudas comissões. Normalmente, os acionistas querem saber, porque são estúpidos, onde é que se gasta o dinheiro.
Os sócios, às vezes, mandam tanto que me lembro de ter visto na comunicação social, em Setembro de 2019, numa Assembleia Geral de um clube, o presidente da Direcção ter apertado o pescoço (ou o colarinho) a um sócio que estava tão convencido que mandava que até usou da palavra para criticar o poder. Ele, e aqueles que assistiram, estavam tão convencidos que mandavam que, em Outubro de 2020, o reelegeram para novo mandato. Fica toda a gente satisfeita com este poder - o poder de lá pôr quem manda, e que nunca justificou ou pediu desculpa por ter apertado o pescoço a um sócio. Foi preciso intervir o poder judicial, porque os sócios não conseguiram e, se calhar, ainda não conseguem afastar sequer a sua sombra. Mas são os sócios que mandam!...
Frederico Varandas recandidata-se à presidência do Sporting depois de bons resultados desportivos
Se não ser cínico é defeito, eu tenho esse defeito; se não ser hipócrita é defeito, eu tenho esse defeito; se ser frontal é defeito, eu tenho esse defeito; se dizer o que penso é defeito, eu tenho esse defeito; se não ser politicamente correcto é defeito, eu tenho esse defeito; se querer ser o que não sou é qualidade, eu não tenho qualidade. Em conclusão: só tenho defeitos e nem uma qualidade consigo ter. Deus quis assim, e eu tenho de me conformar.
Posso conformar-me com isso, mas não me conformo que ninguém me explique qual a razão porque, tão veementemente, todos os candidatos (e não apenas os actuais) recusam liminarmente a perda da maioria na SAD, sem sequer discutirem o porquê. E sabem por que me não conformo? Porque os meus queridos pais nunca responderam - a mim e às minhas irmãs - às nossas perguntas com o porque sim!
E perante a resposta que me dão, sem explicar porquê, eu só posso concluir que a perda da maioria para o Sporting (ou qualquer outro clube) não é uma perda para o clube, mas uma perda de poder para os dirigentes dos clubes, designadamente, para os seus interesses que, cada vez mais, entram em conflito com os dos clubes, sobrepondo-se, não raras vezes, aqueles a estes. Não dou exemplos para não magoar ninguém, porque eles estão à vista, na sociedade desportiva, como na política.
E porque é que eu admito discutir este assunto, porque é que esse tema não é tabu? Porque buscar financiamento, fazer reestruturações atrás de reestruturações que implicam empréstimos ou fazer empréstimos obrigacionistas, para se pagarem uns aos outros, uma coisa tenho por seguro: vou ter que pagar! Quando há investimento sério, se o meu investidor ganhar, eu também ganho; se eu perder, aquele que investiu comigo também perde! Mas, os sócios é que mandam!...
Bem gostaria de saber o resultado de uma assembleia geral universal para aprovar ou ratificar a decisão de Francisco Varandas de contratar um treinador, sabido sem ter experiência (e sem o Nível IV), assumido benfiquista e, ainda por cima, com um custo à cabeça de €10 milhões? Tenho a sensação de que se conseguisse sair vivo da apresentação dessa proposta, ela seria efetivamente rejeitada, no meio de uma assobiadela tremenda e o grito triunfador dos sócios é que mandam!
Foi por isso que eu, publicamente, na SIC, quando o Sporting se sagrou campeão, profundamente emocionado, e antes de responder à primeira pergunta, fiz questão de endereçar os parabéns a Frederico Varandas, que com a decisão de largo risco de contratar Rúben Amorim conquistara o campeonato. Não o fiz por simpatia pessoal com o presidente, mas por coerência com aquilo que penso: essa é a decisão principal para partir para um projecto e isso não é compatível com uma discussão emocional e aos gritos. Eu teria um longo debate com a almofada durante a noite!...
Eu tive que escrever estas linhas todas para dizer de uma forma emotiva e apaixonada aquilo que Felipe Soares Franco disse ontem ao Record de uma forma absolutamente linear, sobre a recompra essencial das VMOC: «Mas há também que perder o complexo de que é essencial um clube ter 51 por cento das acções para controlar a SAD. O clube tem é de ter o controlo, não é preciso ser maioritário.»
No início do mandato de Soares Franco batemos de frente. Julgo que hoje o posso considerar meu amigo porque eu sou seguramente dele. Depois do choque falámos muito durante prolongados jantares e almoços. Muitas divergências, mas muitos consensos. Um dia, ele disse-me: «Vendeu-me bem a ideia do congresso e eu vou comprá-lo.» Tenham a curiosidade de saber o que se discutiu e o que se concluiu.
Nenhum tema deve ser excluído de um debate sério e construtivo. Que grande desilusão nenhum dos candidatos o querer sequer pôr em discussão, fazendo da posição maioritária quase um dogma.
Investir na formação para poder vender jogadores e assim sobreviver não é um projecto de vida, mas de mera sobrevivência perante os Manchesters desta vida. Eu quero investir na formação, mas quero também mantê-la para ser competitivo e não tornar os outros ainda mais competitivos. Eu quero a formação para sustentar um projecto, mas este só sustentável com investimento!
Numa altura em que a bola não bate tantas vezes na trave por mérito de um projecto desportivo, que pena não se aproveitar o tempo para discutir a forma de sustentar e desenvolver financeiramente o sucesso desportivo.
Com todo o respeito pelos três candidatos, os seus programas são para o dia 5 de Março de 2022. Gostaria que se discutisse para um tempo futuro mais alargado, designadamente, esta década, em que tantas coisas, a tantos níveis, vão mudar. Para já uma pandemia que ainda não terminou e com uma guerra ainda a começar!...