Elas na Nova Zelândia

OPINIÃO20.07.202306:30

As navegadoras fazem a estreia mundialista no país mais belo (e distante) do mundo, 67 anos depois da saga dos magriços em Inglaterra. Veja as diferenças

C OMEÇA hoje na Nova Zelândia (e na Austrália) o primeiro Mundial feminino com presença portuguesa. O jogo inaugural, em Auckland, opõe a selecção da casa à Noruega. As nossas Navegadoras estreiam-se no sábado na escocesa Dunedin (Ilha do Sul) contra as vice-campeãs mundiais neerlandesas. Seguem-se jogos contra o Vietname (em Hamilton, Ilha do Norte) e contra as norte-americanas, que são bicampeãs mundiais e grandes favoritas ao título, na belíssima Auckland, a maior cidade neozelandeza e única rival de Sydney no Pacífico Sul. Digamos que, para a estreia, não podíamos desejar melhores padrinhos de grupo: as selecções finalistas do último Mundial! E, acrescento eu, não podíamos desejar melhor palco: a Nova Zelândia é bem capaz de ser o país mais bonito do Mundo. 

Deixem-me fazer um parêntesis relacionado com a minha carreira de viajante para dizer que conheço e adoro a Nova Zelândia. Há uns anos fiz por lá uma digressão on the road de três semanas (bendita canseira) ao serviço da revista Volta ao Mundo, que ainda hoje considero a viagem (e a reportagem) de uma vida. Na magnífica Nova Zelândia, imortalizada pelo cineasta Peter Jackson na saga O Senhor dos Anéis, encontrei uma das maiores e mais diversificadas coleções de jóias naturais do mundo. Da floresta de Waipoua à península de Coromandel; dos vulcões de Tongariro aos géiseres de Rotorua; dos glaciares Franz Jozef e Fox aos santuários marinhos da Península de Otago e de Kaikoura; dos Alpes do Sul coroados pelo majestoso Monte Cook ao fabuloso Fiordland (Terra dos Fiordes) que guarda a estrada cénica e o trekking mais famosos do mundo (Milford Road e Milford Trekk) e a falésia marinha mais alta do mundo (quase a altura da Serra da Estrela!); enfim, passei três semanas imerso num catálogo de belezas naturais permanentemente acompanhado de três estados de espírito: surpresa, emoção e fascínio (acreditem, conheço um pouco do Mundo para me deslumbrar por dá cá aquela palha). 

Absorvi praias tropicais, recifes de coral e florestas húmidas; montanhas alpinas, glaciares e neves eternas; vulcões, géiseres, fumarolas e lagos termais; rápidos, cascatas e fiordes; planícies, planaltos, prados e praias imensas como aquela onde Jane Campion filmou O Piano. Absorvi tudo, eternamente grato. A Nova Zelândia é como se o Criador tivesse agarrado em pedaços do Hawai, dos Açores, das Terras Altas Escocesas, da Islândia, da Patagónia, da Amazónia, da Provença, da Toscana e da Baviera e os tivesse concentrado na massa de terra habitada mais isolada do planeta: a vizinha Austrália fica a 2.156 km de distância. É este o palco da estreia das Navegadoras em Campeonatos do Mundo, 67 anos depois dos inesquecíveis Magriços tomarem de assalto o Mundial de Inglaterra.

ENTRE 1966 e 2023. Não consigo deixar de pensar nas diferenças. Em 2023, as Navegadoras encontram-se num dos países com melhores índices de qualidade de vida/desenvolvimento humano… a representarem Portugal que, não sendo tão avançado, é um país democrático, moderno, que respeita o primado da lei e as liberdades básicas e é respeitado pela comunidade internacional. Este é o país onde vivem  Jéssica Silva, Kika Nazareth, Ana Borges, Carolina Mendes e as outras. 

Em 1966, o ano do Mundial de Inglaterra, o Portugal de Oliveira Salazar era um país pobre, atrasado, com um medonho défice de saúde pública e literacia; um país avesso ao progresso e à modernidade, já minado por cinco anos de guerra colonial e, por isso, cada vez mais isolado no seio da comunidade internacional. Não havia futebol feminino, como não havia praticamente desporto feminino. As mulheres não tinham nem um décimo da força, dos direitos e do reconhecimento que têm hoje. A elas pedia-se basicamente que ficassem em casa («quatro paredes caiadas») a tratar dos filhos e que mantivessem o lar pronto, limpo e arrumado para o chefe da família. 

Não havia mulheres em lugares importantes de chefia e raras eram aquelas que se distinguiam na vida política e económica. A carreira da magistratura, por exemplo, estava-lhes vedada por lei (!!!). Amália era a grande excepção num país que pensava pequeno e parecia não ter maior ambição que manter-se «pobrezinho mas honrado» e com os cofres do Banco de Portugal atestados de ouro. O regime dos três éfes (Futebol, Fátima e Fado) festejou a espectacular odisseia dos Magriços (3.º lugar final) com a pompa e a propaganda que se impunha, mas continuou a apodrecer lentamente até ao golpe final de 1974. 

A cidade de Londres, capital do Império e epicentro dos Swinging Sixties, onde os Magriços, liderados pelo imortal Eusébio, perderam a meia-final para a Inglaterra de Bobby Moore e Bobby Charlton (1-2), estava nas antípodas de Lisboa e do Portugal enfezado e taciturno de Salazar. Era uma espécie de hub global da criatividade, da inovação, do inconformismo e do hedonismo: ali decorria uma verdadeira revolução cultural intensa e trepidante como a Carnaby Street. Sim, a Beatlemania estava no auge («já somos mais famosos que Jesus», disse nesse ano John Lennon em entrevista ao Evening Standard), e ainda havia os Rolling Stones, a minissaia de Mary Quant, o visual andrógino da supermodelo Twiggy, os movimentos antinuclear, a libertação sexual feminina, o génio de Stanley Kubric em Dr. Strangelove, a beleza feroz de Julie Christie em Fahrenheit 451 e da rebelde Vanessa Redgrave no fabuloso Blow Up de Antonioni. Soltavam-se sutiãs, vivas à paz, ao flower power, ao Che e outros amanhãs que cantam. Nós, por aqui, definhávamos. Elas e eles. Calados. Amordaçados.

Ainda bem que as Navegadoras não passaram por nada disso. Boa sorte, girls


CARLOS, QUE FUTURO!

A extraordinária actuação do tenista Carlos Alcaraz perante o campeoníssimo Novak Djokovic na final de Wimbledon veio confirmar aquilo que o próprio Nole reconheceu no discurso de aceitação da derrota: que o jovem espanhol é um fora de série e parece reunir o melhor de Roger Federer (requinte técnico, ousadia e souplesse), o melhor de Rafa Nadal (raça, genica, combatividade extrema) e o melhor dele mesmo, Novak Djokovic (força mental e autoconfiança extrema).

Trata-se de um cocktail potencialmente explosivo, mas só dentro de uns anos saberemos se Carlitos conseguiu cumprir o destino histórico que lhe parece reservado. Que é o de reinar no circuito como os big three reinaram. A manter este andamento, Alcaraz não tardará muito a chegar à situação em que Roger Federer se encontrava em 2005 ou 2006 (imparável, quase imbatível!), relativamente aos inacessíveis recordes do americano Pete Sampras. Era difícil acreditar que alguém os conseguisse superar, mas… 

… Seja como for, a mesma península Ibérica que ofereceu dois campeoníssimos à história do desporto mundial como Cristiano Ronaldo e Rafael Nadal (curiosamente, os dois ilhéus: um nascido na ilha da Madeira, Atlântico, outro na ilha de Maiorca, Mediterrâneo), é a mesma que estará a forjar um terceiro monstro sagrado (nascido em El Palmar, Múrcia) para juntar ao Olimpo dos indiscutíveis. Veremos.