E tudo Alcochete levou!...
Há pouco mais de um mês - meados de Dezembro de 2019 - vi num jornal ou numa revista uma noticia que me dava conta que haviam passado oitenta anos sobre a estreia de E tudo o vento levou, uma superprodução e o mais mítico dos filmes americanos, onde se destacaram dois monstros do cinema como foram os actores Clark Gable e Vivian Leigh. Admito que os mais jovens nunca tenham visto o filme, mas os da minha geração e outras terão visto e revisto, no cinema ou na televisão, este filme, considerado por muitos um símbolo da época de ouro de Hollywood.
Este filme, que recebeu dez óscares e outras cinco nomeações, reporta-se ao período da Guerra Civil Americana, quando fortunas e famílias foram destruídas, e conta-nos a saga de uma jovem, Scarlet O’Hara, herdeira de uma plantação destruída pela referida guerra civil, e da sua paixão por um aventureiro, Rhett Butler.
O que aconteceu em Alcochete, em Maio de 2018, está neste momento a ser julgado pelo tribunal e a sentença que vier a ser proferida fará a qualificação jurídica dos comportamentos tidos nessa fatídica tarde. Não sei se será terrorismo ou não, nem estou muito interessado, neste momento, nessa qualificação dos actos praticados, que mesmo ainda não julgados estão há muito condenados pela opinião pública.
Sem prejuízo da condenação de quem tiver praticado o que praticou, trata-se de um acontecimento trágico que não mais sairá da memória dos sportinguistas, aconteça o que acontecer, pelas consequências que teve, e que espero não sejam irreparáveis.
A sua reparação cabe-nos a nós e não vale a pena continuar a criticar os seus autores, porque estes terão forçosamente de ficar como uma nódoa negra de um passado histórico grandioso. A nós, os que estamos vivos e amamos o Sporting, cabe-nos a reconstrução do presente para a construção do futuro. Como dizia em tempos um politico francês «a hora já não é para recriminações retrospectivas. Pouco importa o passado. É para diante de nós que é preciso olhar». Na verdade, chegou a hora de trabalhar, não de perdermos tempo com conversas e discursos absolutamente estéreis e irresponsáveis, porque ou mostramos a raça e a energia do leão ou nos condenamos ao nosso próprio destino. Alcochete pode ter levado todos os nossos bens materiais mais valiosos, como o vento que tudo destrói. Não há vento, porém, que leve os nossos valores morais nem a nossa dignidade.
Quando li aquela noticia a que me referi no inicio, e perante o actual estado do futebol do Sporting, e o clima que à volta se vive, logo pensei como Alcochete foi um vento, nas devidas proporções, semelhante à guerra civil americana. E logo decidi que haveria de escrever uma das minhas crónicas, justamente com o título do filme, mas adaptado. Não o fiz logo porque jurei a mim próprio que não o escreveria enquanto Bruno Fernandes permanecesse no clube. Com Bruno Fernandes nem tudo tinha sido levado!...
A jura durou pouco mais de um mês, porque na quinta-feira passada Bruno Fernandes saiu finalmente para o Manchester United, para jogar na Premier League, um palco que realmente ele merece! Antes, e depois de ter regressado, contribuiu, decisivamente, para se arrecadar duas taças na época passada e evitar que o Sporting ainda estivesse, esta época, pior que o que está. Isto tem que ser dito, custe a quem custar, e doa a quem doer, e não chega meter a viola no saco, como sugere Sousa Cintra, mas, humildemente, agradecer a este ex-presidente o regresso de Bruno Fernandes (como o de Bas Dost), e não dizer que fez disparates, porque disparate, sem desculpa, é comparar Bruno Fernandes a Sabrosa e João Moutinho, ainda que aquele não tenha sido formado no Sporting. Mais que disparate é ofensa. As lágrimas de Bruno Fernandes, que me provocaram uma enorme comoção e me recordaram Francisco Stromp, não merecem essa comparação!
Fico grato a Bruno Fernandes e já tenho muitas saudades. Nunca o cumprimentei pessoalmente, e, como disse e escrevi várias vezes, valeria todos os sacrifícios, porque continuo a entender que ele era o símbolo para iniciar um novo caminho. Acontece que em vez de se construir uma equipa à volta dele, destruiu-se essa mesma equipa, despojando-se o clube do que restou de Alcochete e dos que regressaram. E lembrar-me eu que o actual presidente, que foi o primeiro a demitir-se de Alcochete, logo apresentou, como trunfo eleitoral, ser a pessoa com a maior capacidade para fazer voltar quem tinha rescindido!!!
Nem um voltou pela sua mão, mas pelas mãos da Comissão de Gestão e, designadamente, de Sousa Cintra, proporcionando-lhe agora um negócio que de outra forma não faria.
Jorge Jesus, Rui Patricio, Wiliam Carvalho, Podence, Gelson Martins, Rafael Leão, Bas Dost e outros, e agora Bruno Fernandes - e tudo Alcochete levou! Até levou Frederico Varandas à presidência do Sporting Clube de Portugal. Fica agora a esperança que é verde e a certeza de que o vento não sopra sempre no mesmo sentido!...