É justo pedirmos desculpa ao Aves!

OPINIÃO19.05.201802:06

O Desportivo das Aves é um daqueles nossos pequenos clubes de futebol que lutam, com criatividade e sofrimento, por ter um lugar no campeonato maior. É, afinal, um dos muitos pequenos milagres que por esse Portugal se vão encontrando. O estádio tem capacidade para receber toda a população da Vila, que, segundo o censo de 2011, anda pelos 8500 habitantes. Ou seja: toda a população das Aves cabe numa só bancada do estádio da Luz, de Alvalade ou do Dragão.


E, apesar da reduzida dimensão, da pobreza dos recursos e de uma História de quase noventa anos, o clube teve a suprema alegria de chegar à final da Taça de Portugal e ganhar direito a estar no Jamor naquela que é conhecida como a maior festa do futebol português.


Não sei se o leitor, sobretudo aquele que faz parte dos mais de noventa por cento de portugueses que tem ligação sentimental aos três grandes, tem ideia do que pode significar para uma vila e para um clube como o Desportivo das Aves, um feito desta dimensão.


Para o Sporting, é só mais uma Taça de Portugal. Para o Aves é o mais importante dia da sua vida.


Jornais rádios, televisões deveriam ter gasto meios e tempo nos dias de festa das Aves. Em vez disso, esgotaram-se no reality show de Alvalade e de Alcochete. Por isso, ao longo dos últimos dias, não se tem falado ou mostrado outra coisa. O Sporting matou a festa da final da Taça com um ciclo de cinema que a todos nos monopoliza. Desde filmes de ação de gangsters, a filmes de um novo e surpreendente surrealismo, que mistura o humor com o absurdo.


Os trágico-cómicos atores terão seus méritos, uma vez que o país não discute nem os insuportáveis aumentos dos combustíveis, nem o poço de petróleo de Aljezur, nem a degradação das nossas escolas, nem a falta de meios na saúde, nem a eterna demora da justiça. Apenas se fala de BdC e sus muchachos, uma nova e louca versão livre que junta num só filme, o ‘general em seu labirinto’ com a ‘crónica de uma morte anunciada’ e ainda ‘três casamentos e um funeral’.


A película é um sucesso. Do Presidente da República, passando pelo presidente da Assembleia da República e pelo primeiro Ministro, todos a viram e todos sobre ela se pronunciam. É um acontecimento nacional, arrebatou todo o país, entorpeceu-o e monopolizou-o. Até Pacheco Pereira, inviolável às coisas menores do futebol, se deixou tentar por declarações, opiniões e esclarecimentos. A coisa tornou-se de tal forma contagiosa, que os canais de televisão mudaram grelhas, convocaram de emergência todos os seus opinadores, cancelaram programas, para não perderem um episódio picante, uma cena canalha.


Lá no Norte, quase em segredo, o Aves continuava a preparar a sua festa, temendo que ela seja abafada, até mesmo no dia da grande final, pelas ausências institucionais da nação.


Seria lamentável que tal acontecesse. Já não basta o Aves ter de fazer um género de festa de casamento só com a noiva e ainda teria de se conformar com a indelicadeza de subir à tribuna de honra e não ver lá nem o abrangente Professor Marcelo, nem o resto, que faz sentido dar Honra à dita tribuna.


A verdade é que estamos a pouco mais de 24 horas de uma festa estragada e, por isso, o primeiro dever de qualquer cidadão que goste de futebol e que goste dos pequenos anónimos que conseguem grandes feitos é o de pedir desculpa ao Desportivo das Aves e ao povo da Vila das Aves, um dos que mais sofreu, em Portugal, no auge da dramática crise da indústria têxtil. É o azar do Távoras. No preciso ano em que tão duramente se chega a um dia de glória, ver a festa desabar numa torrente de lama. Mesmo que nos perdoem, nunca irão esquecer.