É claro que o Porto é favorito

OPINIÃO22.01.201900:25

Em outubro do ano passado, numa entrevista à revista France Football, foi perguntado a Carlo Ancelotti como definiria o seu estilo como treinador de sucesso ao que este respondeu não fazer sentido  uma definição específica porque constrói a sua ideia de jogo em função da capacidade e do perfil dos jogadores que tem à disposição para erguer um projeto desportivo.
Rafael Benítez deu resposta muito parecida quando chegou ao Real Madrid e o questionaram acerca do sistema tático que iria utilizar, tendo declarado que, primeiramente, precisava  de conhecer e estudar o plantel.
Na semana transata, José Mourinho enriqueceu a discussão ao introduzir-lhe um novo elemento que tem a ver com insondáveis interesses das estruturas de apoio dos clubes, as quais, se for esse o propósito, conseguem reduzir a escombros as boas intenções de qualquer treinador, colocando-lhe armadilhas no caminho com a cumplicidade de artistas escolhidos a dedo no interior do balneário.
No Manchester United o que aconteceu não foi um problema de indisciplina entre treinador e jogador, mas sim «entre um treinador sem estrutura por trás e um jogador». Como muito bem alertou Mourinho, distantes vão os tempos em que o poder do treinador era suficiente para colocar em sentido  jogadores de criticável reputação profissional. Agora, cada jogador tem atrás de si uma turbamulta formada por empresários, juristas, pais, irmãos, primos, terapeutas, religiosos, motivadores e por aí adiante.  

Fez ontem precisamente uma semana que Bruno Lage foi confirmado como treinador principal do Benfica e a trilogia tarefa-treino-jogo é arguta. Se nela investir como mensagem principal na sua estratégia comunicacional, de certeza que se vai dar bem com a deficitária imaginação dos jornalistas durante as conferências de Imprensa, por regra mornas e repetitivas.  Controlar e não ser controlado, ao contrário do aconteceu com Rui Vitória, será o primeiro passo para, sem fugir às questões, dizer o que quer e não o que os outros  querem que diga.
Sabendo que conta com a proteção da estrutura, e tem de contar em todas as circunstâncias, Lage sente que pode desenvolver a  tarefa e aprofundar o treino na paz dos anjos, mas o jogo não se pode dominar.
O futebol é caprichoso e a reação dos adeptos perversa. Ao primeiro choque vai ser preciso sopesar os seus efeitos e esse choque, creio eu, poderá ocorrer mais logo, em Braga, na primeira meia-final da Taça da Liga, na medida em que, neste preciso momento, ainda se vê um Benfica em obras de remodelação e, provavelmente, sem argumentos para bater o pé a um FC Porto motivado, confiante e mais poderoso, quer a defender, quer a atacar. Por isso, lidera o campeonato com a categoria que os pontos atestam.
No entanto, não há vencedores nem derrotados por antecipação. Sobretudo neste caso, em que convém ter presente que a uma águia mais animada e feliz vai opor-se um dragão com algumas das suas peças  a revelarem sinais de fadiga.

EM respeito pela coerência, julgo que deverá considerar-se o FC Porto favorito, com confortável margem de segurança até, tomando como referência os compromissos da última jornada na Liga, em que a equipa de Sérgio Conceição passeou a sua classe em Trás-os-Montes e a de Bruno Lage, embora ganhando merecidamente em Guimarães, estaria  obrigada a produzir melhor futebol.
 Por isso, trouxe à colação os exemplos de Ancelotti e  de Benítez, em circunstâncias diversas, é certo, mas coincidentes na filosofia.
Há uma semana, escrevi neste espaço que Lage deve reclamar a autoria da decisão final, sem jamais se confundir sobre o que é mais importante, se o homem, se a tática.
Pretender alterar o desenho não suscita problemas, desde que essa alteração se faça com sensatez e perspicácia e tenha como objetivo primeiro fortalecer o coletivo com novas armas para responder aos opositores. Por outro lado, meter a  equipa num colete de forças é um erro em que Rui Vitória teimou e Lage deu ares de teimar também, na última sexta-feira à noite, em Guimarães.
Mudar quando é preciso é uma atitude inteligente, mas tornar a equipa prisioneira de um sistema ou de um jogador em mau dia, por simples obstinação, é um absurdo, na mesma linha daquela desculpa patética muito em moda: perdemos, mas mantivemos a nossa identidade. Extraordinário. E se não a tivessem mantido?
 Não as contei, mas foram muitas as vezes em que em tão pouco tempo Lage falou na mudança do 4x3x3 para o 4x4x2, quando, em boa verdade, o adepto quer é que a equipa jogue bem e ganhe seja qual for a tática.
Neste aspeto, acho que Sérgio Conceição, com as virtudes e os pecados que se lhe conhecem, está muito à frente.