E alguém quer comprar?

OPINIÃO09.03.201903:00

O Henrique Monteiro perguntou, no seu artigo de quinta-feira: «E alguém quer vender o clube?» De seguida escreveu o que, com a devida vénia, transcrevo: «A pergunta, embora capciosa, é feita por muita gente. Eu penso que não, que ninguém quer que o Sporting não tenha a maioria na SAD. Mas devo dizer algo que poucos têm coragem de dizer: a continuar não serão poucos os que preferirão um clube sem a maioria na SAD, mas desafogado, que saiba aguentar os seus bons jogadores, comprar outros, ter uma Academia cheia de talentos e, sobretudo, ganhar títulos, do que passar a vida nesta - para citar Camões - ‘apagada e vil tristeza’».

Como, para mim, dizer a verdade não é um acto de coragem, mas um dever cívico e, particularmente, uma obrigação moral de sportinguista de todas as ocasiões, isto é, das boas e das adversas, não tenho dúvidas que prefiro cumprir o sonho europeu ambicioso do Visconde de Alvalade do que fazer a figura do fidalgo arruinado que não vende o palácio a ruir porque ele tem que permanecer na nobreza e não pode cair nas mãos da plebe! Gosto muito de glorificar o passado, mas não devo comprometer o futuro e não ter honra no presente.
Ao longo da minha vida profissional deparei-me várias vezes com situações análogas ou similares de clientes que, sendo tradicionalmente maioritários de sociedades insolventes ou em vias de insolvência, preferiam a tradição à realidade prática de ter apenas 10 ou 15 por cento de uma sociedade florescente e a distribuir lucros todos os anos. Mantendo o respeito pela opinião do cliente, nunca deixei de aconselhar a solução pragmática como a melhor para a defesa da tradição!

De resto, e a meu ver, a perca ou não da maioria na SAD, não é uma questão de preferência, e muito menos, uma questão que diga apenas respeito ao Sporting, embora aquilo que se passa nos outros não seja da minha conta e é para o lado que eu durmo melhor. É para mim, e para muita gente - aquilo que para outros será chocante - uma questão que, não sendo de sobrevivência, será, pelo menos, de subsistência na alta roda europeia do futebol. E o Visconde de Alvalade não sonhou apenas com a dimensão europeia nas outras modalidades.
Já falei várias vezes que a minha grande saudade do Presidente João Rocha assenta na admiração que eu tinha, ainda antes de o conhecer pessoalmente e ser seu vice-presidente, pela sua visão do futuro, em vários aspectos. Cometeu erros na gestão da sua longa presidência como qualquer ser humano, mas não deixava de olhar para o futuro, sempre com um rasgo especial que distingue os grandes homens dos homens médios.

João Rocha foi para o Sporting, antes de Abril de 1974. O clube atravessava algumas dificuldades, mas olhou para o rico património, como algo que merecia ser explorado com competência e determinação. Clubes ingleses, italianos e outros já eram sociedades anónimas. Em Portugal vivia-se alguma euforia na bolsa, mas falar em sociedades anónimas desportivas era falar sobre algo desconhecido e, se se falasse na transformação do clube em sociedade anónima, seria, se não insultado, pelo menos considerado doido varrido. João Rocha lançou mão da SCP - Sociedade de Construções e Planeamento, SARL para rentabilizar o património e assim alavancar as receitas do Sporting, tornando-o sustentável e florescente. Eu tenho-o dito, e ele confirmou-me essa visão, em muitas conversas a sós, a caminho das reuniões do que viria a ser a liga, que, se o 25 de Abril tivesse acontecido um ano ou dois mais tarde, o Sporting teria disparado a nível nacional, primeiro, e, depois, a nível internacional.

João Rocha percebeu depois, disse-me muitas vezes, e até numa entrevista escrita, que a sua aposta nas modalidades tinha a ver com a grandeza do clube a nível, nacional e internacional, pois através do futebol ou só através do futebol, seria muito difícil alcançar essa grandeza, como aliás se tem vindo a demonstrar. Nunca tive nenhuma conversa, nos últimos anos da sua vida sobre a questão da maioria ou não na SAD. Mas tanto quanto o conheci, tenho uma opinião, meramente pessoal, que, no momento actual, não teria dúvidas em abdicar da maioria, em nome do interesse do Sporting, e que, em qualquer circunstância, arranjaria uma solução!

Não acredito - e digo-o frontalmente - que não acredito em qualquer solução que vá pela via de empréstimo em empréstimo até ao empenhamento total, nem na venda de jogadores, sem pensar no equilíbrio desportivo com os clubes nacionais e internacionais. Só uma ilusão me faria pensar assim, mas já não vou ilusões, a seguir a desilusões com muita gente e muita coisa. Quanto maior for a degradação desportiva maior vai ser o fosso nacional e maior ainda o internacional.

Não me atirem à cara com o Real Madrid ou o Barcelona, porque dir-lhes-ei que não confundam a estrada da Beira com a beira da estrada. Estamos a falar de realidades tão distintas que, dir-lhes-ei, também, e a título de exemplo, que então devemos adaptar a forma de governance daqueles clubes, onde essa coisa de se discutirem assuntos importantes não é numa assembleia geral aos berros, mas numa assembleia delegada, como venho defendendo há alguns anos. E não me digam que isto não é democracia, porque aquilo que não é democracia, é a bandalheira!

Meu caro Henrique Monteiro: eu não estou preocupado porque o clube não está à venda. Mais que uma instituição, é uma paixão. Mas uma paixão que tem que ser também racional, quando respeita ao futebol. E, com os pés bem assentes no chão também temos que pensar que, mesmo que as modalidades sobrevivam só com a quotização, sem necessitar de uma SAD consistente e vitoriosa, também elas não resistirão à falta de competitividade do futebol, que baixará as receitas da quotização drasticamente. É preciso ser realista e perceber que, por uma qualquer via romântica, maior vai sendo a largura do fosso, porque, por cada Liga dos Campeões que passa ao lado, será sempre mais difícil a recuperação do tempo perdido.

E é disto que a mais generosa massa associativa tem de perceber: não há mais tempo a perder para além do tempo perdido. E é tempo dos sportinguistas enfrentarem este problema, e serem elas a decidir isso, em mais uma atitude pioneira, como têm tido tantas. Teremos de ser nós a decidir e a controlar tudo isso, e não deixarmos que outros o façam por nós. É que há muitos que não querem que o Sporting venda a maioria; mas há uma minoria perigosa que terá interesse em comprar a SAD do Sporting.


O Sporting Clube de Portugal, como todas as outras pessoas singulares e colectivas, vive «neste cantinho, à beira mar plantado», como diria Camões, cheio de espertos e invejosos, e nós agora estamos a jeito! A minha preocupação não é se «alguém quer vender o clube», mas se, por este andar, há alguém que quer comprar a SAD, a preço de saldo? O tempo o dirá e só espero que não seja tarde demais!...