Dr. Jekyll e Mr. Hyde

OPINIÃO20.07.202004:00

QUANDO sinto dificuldades na primeira fase de construção de um texto, como tem acontecido nos últimos dias, gosto de falar com amigos. E um deles, professor na Universidade Europeia, disse-me qualquer coisa como isto: «Sou sócio do Benfica desde que nasci, mas para o ano não me apanham a torcer por um clube treinado pelo JJ. Haja memória e decência.» Ultrapassada a dificuldade, ele quis partir para um ataque rápido e com chegada à área: «Imaginem que daqui a cinco anos a SIC, que vai colocar a CF em tribunal, contratava outra vez a CF. Isto é LFV.» Bom, João, não deixas de ter razão.


TERMINADA a primeira fase de construção do texto, passo para o texto posicional: trocar o cursor de tecla em tecla até chegar a palavra certa. Gosto do regresso de JJ. Não me interessa o clube para onde vá, desde que fique por cá. O mesmo senti quando Artur Jorge, Fernando Santos ou Carlos Queiroz regressaram e o mesmo sentirei se, um dia, José Mourinho voltar. JJ é personagem fascinante, tal como fascinante é a personagem de LFV. Não são muitos os que, como este, se contradizem a cada entrevista e a cada declaração e, mesmo assim, saem sempre com a bola a jogar. Não é fácil pedir, em tribunal, uma indemnização de 14 milhões de euros (um por cada adepto) pela saída de JJ, dizer que ele se passeava em Alcochete quando ainda era treinador do Benfica, afirmar que vai procurar um treinador de caráter e acusá-lo de roubo de software. Mas LFV fê-lo. Há cinco anos, sim, mas fez. E agora foi buscar JJ. Jesus é um dos melhores treinadores da atualidade, logo, numa perspetiva meramente desportiva, é bom. Muito bom, aliás. Fica, porém, a ideia de que o LFV de 2015 é Mr. Hyde e que o de 2020 é Dr. Jekyll. Contraditórios entre si, mas partes de uma mesma fascinante personalidade.


POR vezes, entre a primeira fase de construção, o ataque rápido, a chegada à área e o jogo posicional, há os detalhes. É nos detalhes, aliás, que se ganham e perdem campeonatos. E ter colocado, em 2015, mini-Goebbels um pouco por todo o lado não é detalhe: é organização. Durante meses a fio vimos e ouvimos mini-Goebbels atacar JJ de todas as formas e feitios. Algumas delas, convenhamos, com razão. A história do Ferrari, por exemplo, é fascinante. Agora, os mini-Goebbels engolem, transformadas em sapos, as palavras de 2015. Diziam há cinco anos que JJ perdera duas finais europeias, dizem agora que JJ levou o Benfica a duas finais europeias. É burilar a verdade até que ela diga o que se deseja.

PODEMOS argumentar com diversas frases feitas para definir um jogo, como as fases de construção, por exemplo, mas decisivo é o golo. Se o Benfica chegar à fase de grupos da Champions, LFV estará mais perto de esmagar (em vez de apenas ganhar) nas eleições de outubro. Se, daqui por um ano, o Benfica regressar aos títulos, LFV será Dr. Jekyll. Se perder, será Mr. Hyde. Tal como JJ.


NÃO nos esqueçamos, no entanto, do essencial, embora o essencial seja, por vezes, invisível aos olhos (sim, a frase não é minha): o FC Porto ganhou o campeonato. Estava com sete pontos de atraso e tem (de momento) oito de avanço. Quem os ganhou? O FC Porto (e Sérgio Conceição). Quem os perdeu? O Benfica (e Bruno Lage). Tal como em 2019, 2016 ou 2014. Quem ganhou estes campeonatos? Bruno Lage, Rui Vitória e Vítor Pereira. E quem os perdeu? Sérgio Conceição, Jorge Jesus e Jorge Jesus. O FC Porto foi melhor na segunda fase de construção da época, o Benfica foi melhor na primeira fase. Simples, não é?

TEMOS de variar o jogo para que o adversário se confunda um pouco. Deixemos o Benfica e o FC Porto e falemos, então, do Sporting. Houve um grande decréscimo no número de sócios do clube leonino. Mesmo com a campanha regresso num minuto, houve tremenda quebra. Para quem ganhou dois campeonatos nos últimos 38 anos, ter (mesmo assim) tantos sócios significa amor ao clube. Já agora, quando aconteceu a avalancha de desistências: entre 2018 e 2020 ou entre 2017 e 2018?