Dos espíritos...
Foi em 1976, entre a Checoslováquia e a Alemanha. Em desempate estava título de campeão da Europa. Panenka agarrou na bola, colocou-a na marca, deu cinco passos atrás, correu para ela a desengonçar-se - e, ao toque subtil (e provocador) viu-se Meier a cair, impotente, para dentro do inferno a abrir-se à esquerda, com a bola picada a passar-lhe, sorrateira, por cima dos dedos em vão. Ganharam os checos - e, para mim, esse penálti à Panenka tornou-se mais do que um pontapé sublime (ou prova de que a imortalidade existe num instante): passou a ser metáfora (para o futebol e a vida) de certo espírito, o perfeito sinal do génio em ousadia.
O sinal e o espírito do jogo em convite à festa feita de pés em flor. (E que não seja, na cabeça dos treinadores, uma ideia apenas: a de prender os adversários em cadeias de alta segurança.) O sinal e o espírito do jogo em esplendores de fogo de artifício a soltarem-se dos ilusionistas que possa haver, radiantes, nas chuteiras de quem o joga assim. (E que não seja na cabeça dos treinadores, uma ideia apenas: a de roubar à sua equipa a liberdade de criar e magicar, rebelde e sem temeridade.) Vendo Portugal em Milão, o que é que eu vi? Uma primeira parte em que não lhe faltou só o Ronaldo, faltou-lhe a bola e pressing, o pé e a cabeça (sobejando-lhe o temor e a mansidão - ou pior) - e que na segunda melhorou um niquinho (através do regresso a si próprio).
PS: Esta crónica é como é por Memphis Depay ter feito o que fez ao Lloris - e por Portugal ter sido o que não se esperava que fosse. E por eu me ter esquecido (a propósito) do que o Jorge Valdano pôs, poético, numa sentença sua:
- Ganhar todos nós queremos, mas apenas os medíocres não aspiram à beleza também...
porque sim: para se ganhar por 0-0 (como Portugal ganhou) não é mesmo preciso aspirar-se a beleza alguma (nem sequer rezar-se para que o espírito Panenka entre num pezinho, fugaz) - basta ter o favor de uma santinha simpática (ou várias) e um Rui Patrício na baliza.