Domingos à 2.ª feira
DOMINGOS, por favor, explique lá o que quis dizer. É que não faz qualquer sentido dizer que «o problema é quando se ouve pessoas a falar [de futebol] que não têm curso nenhum, às vezes até mulheres [!] a falar de futebol». Não faz sentido. Se assim fosse, quem não fosse médico não poderia falar do Covid-19, pois não? Quem não fosse arquiteto não poderia, nesse caso, falar da beleza estrutural da Torre Eiffel. E quem não fosse advogado não poderia falar do caso dos emails, do Apito Dourado ou do cashball. E só grandes atacantes, como Eusébio, Gomes ou Jordão, por exemplo, poderiam falar do que é ganhar, enquanto português, como aconteceu pela última vez em 1995/1996, a si mesmo, uma BOLA de Prata. Futebol não é uma ciência de quarta dimensão, como a física quântica, cheia de moléculas, átomos, eletrões, neutrões e protões, apenas compreendida e compreensível para mentes como Albert Einstein ou Max Planck. Um jogo de futebol é uma coisa simples: duas balizas, 22 jogadores, um árbitro, uma bola e (sem viroses) 40 ou 50 mil pessoas nas bancadas de um estádio.
O treino de futebol, sim, é diferente. Posso conversar sobre Covid-19, mas não faz muito sentido falar, enquanto leigo, sobre a eficácia que a vacina contra a haemophilus influenzae terá para a cura do vírus. No treino de futebol, na generalidade, somos todos leigos. Ninguém, a não ser treinadores, terá argumentos para dialogar com Pep Guardiola, José Mourinho, João Tralhão ou Filipe Cândido, por exemplo, sobre o treino ideal para atacar o jogo frente a uma equipa poderosa fisicamente, que habitualmente joga em 4x2x3x1, com dois médios que basculam muito e bem e com um avançado fixo que tende a jogar, entre linhas, aparecendo ainda muito bem a finalizar ao segundo poste quando a bola é lançada, em contragolpe, após pressão alta em todo o meio-campo adversário. Aí, sim, seria ousadia da maioria das pessoas que veem futebol.
MAS o que atrás escrevi é apenas uma opinião. Para levar tão a sério como qualquer outra sobre a possibilidade (ou não) de alguém que não foi futebolista e não é formado em Educação Física falar sobre futebol. Estranho é dizer-se que «às vezes até [aparecem] mulheres a falar de futebol». Não faz sentido, pois não? Admito que tenha sido apenas um lapso linguístico. A norte-americana Megan Rapinoe pode falar de futebol. Tal como a brasileira Marta. Ou as portuguesas Cláudia Neto e Mónica Jorge. Ou Filipa Reis. Ou Marta Fernandes Simões. Ou Inês Bastos. Ou Célia Lourenço. Ou Edite Dias. Ou Gabriela Melo. Ou Sofia Coelho. Ou Elsa Bicho. Ou Ana Gomes. Ou Graça Freitas. Ou (se fosse viva) Maria de Lurdes Pintassilgo. Ou eu. Qualquer um pode falar de futebol. Não do treino de futebol, mas de futebol. Futebol puro: duas balizas, 22 jogadores, um árbitro, uma bola e (sem viroses) 40 ou 50 mil pessoas nas bancadas de um estádio.