Do Nélson

OPINIÃO29.07.201801:59

Eu sei que há o Pelé mas, para mim, o melhor jogador de futebol do Brasil é o Nélson Rodrigues. Porque não joga só com a bola nas suas crónicas - joga com ela em metáforas como a grã-fina com narinas de cadáver, a aldeia espanhola do quase, a bofetada muda, os sujeitos que não sabiam se gato se escreve com X e iam ler a vitória no jornal (que são do mais sublime que eu vi.)


Como aprendi com ele que, no futebol o pior cego é o que só vê a bola, sempre que entro nas suas palavras vejo o futebol português na sua arte - para lá dos heróis de penacho em arrebiques de mau caráter ou do jogo entre o Rosita Sofia e o Manufatura ou o Mavilis (ele não sabia bem) que o deixou na dor de não ser um Camões, um Sófocles ou um Tolstói.


Rara é, pois, a semana em que não me deite à conversa em pé de página com ele, o Nélson - e descubra como para um jogador uma vaia pode ser um incentivo fabuloso (ou por que não pode haver virtude em quem jogue de cara amarrada). Só que, por entre isso, há sempre espanto prestes a soltar-se (no futebol que joga em metáfora) - como naquele cafajeste que, no velório de um contraparente, não cedeu à tentação que o endiabrava (e o que é que isso tem a ver com o jogo que ele joga, mostrando-o):


- … ao ver o defunto deu-lhe a vontade de roubar carteira ao morto. Fingiu que o beijava na testa, ao mesmo tempo que sua mão, voraz, deslizava por baixo de cravos e dálias. O resto se deu.


Sabendo ainda que, pelo seu futebol, há, igualmente, abutres a pairarem por céus escuros - um destes dias disse ao Nélson que apesar das tropelias por que tem passado o futebol que em Portugal  se joga fora de campo continuava a não ver muito por cá o que ele cansou de encontrar pelo Brasil: abutres de si mesmo (a autoflagelarem-se) - e deu-me ideia de que ele me tomou como se eu fosse o cretino fundamental que lhe bradou:


- Eu sou um quadrúpede!


e, num repelão feroz, ainda lhe juntou, para se vincar no que era (na metáfora):


- … um quadrúpede de 28 patas!