Do cartão do adepto

OPINIÃO03.10.202107:00

Experiência europeia do cartão do adepto não resultou. Experiência na nossa Liga confirma-o. Trilhamos caminhos perigosos

Faço , desde já, uma declaração de interesses. Sou candidato, como é público e notório, às próximas eleições no Benfica na lista liderada pelo Rui Costa. Pelo nosso Maestro, por um dos mágicos números 10 do nosso Benfica.  Sou sócio do Benfica há largos anos . Vivi na quarta-feira passada uma nova noite histórica no Estádio da Luz com a vitória, justa e clara, frente ao Barcelona. Foi uma fantástica noite europeia! Escrevo, neste jornal de liberdade e de resistência, há cerca de vinte e cinco anos e participo regularmente em programas n’A BOLA TV, particularmente, há nove anos,  na Quinta da Bola que, com a sagaz coordenação do José  Manuel Delgado e a serena liderança do Vítor Serpa, - e também, nos últimos anos,  na companhia amiga do Dr. José Eugénio Dias Ferreira - muito me motiva e muito me enriquece. Não deixo de ter as minhas opiniões, de emitir as minhas perplexidades, de conviver com Amigos e Amigas de outras cores e emblemas. Sei o que é a paixão imensa e intensa e não descuro a razão a que estou vinculado como cidadão . A minha vida pública já foi bem escrutinada. Mas a minha vida privada é sagrada! Estas as razões que me levam a esta nota prévia. Por razões pessoais poderei não escrever, a partir do próximo domingo, com a regularidade a que habituei as queridas leitoras e os fiéis leitores. A nota que assumo é, tão só, uma suscetibilidade. Na certeza que a vida vivida me leva, sempre, a ter bem presente as palavras amigas do Doutor Joaquim Barbosa que, com a sua sabedoria de vida e a sua sagacidade de ilustre Médico, me adverte para «não fazer planos para a vida , para não estragar os planos que a vida tem para ti»! E , tendo o privilégio da sua Amizade, aqui deixo esta nota, na certeza que não deixarei de aqui partilhar, com menos assiduidade, opiniões e sensações e de igualmente exprimir na Quinta da Bola as minhas perplexidades e a ousadia do meus comentários. E esta minha liberdade ninguém a condicionará já que não tenho idade pra fazer fretes nem tempo para desperdiçar  demasiado tempo ! 

Hoje Portugal pode sagrar-se campeão do Mundo em futsal. Fez, na Lituânia, um Mundial em que combinou a crença com a excelência, a vontade com o empenho, um coletivo inteligente com  talento  e competência. Na Lituânia a alma lusa, empurrada por jovens portugueses que naquele bonito Estado frequentam, por excelência no âmbito do Erasmus, as suas Universidades, ultrapassou, entre outros, Espanha e Cazaquistão, e procura frente à forte seleção da Argentina trazer para a Cidade do Futebol, e para sua rica ala de Taças conquistadas, mais um troféu, este, assim o desejo, de Campeão do Mundo  de futsal. Fernando Gomes e Pedro Dias, mais Jorge Braz  e também Tiago Craveiro, e toda equipa simbolizada no capitão Ricardinho, terão a oportunidade, permitam a ousadia, de vingar a derrota de 2016 frente aos mesmos  argentinos. E Portugal, e em especial o Portugal que sente o Desporto, no princípio da noite deste domingo, exultará de alegria. Pela presença na final. Pelo brio do jogo. Pela vontade de vencer . E  acredito, no final e afinal, pela vitória e pelo título alcançado! Força Portugal! 

 

O jogo da passada sexta-feira entre Famalicão e Vitória de Guimarães evidenciou, uma vez mais, a ineficácia do cartão do adepto. Conforme foi bem público e claramente notório, adeptos do Vitória de Guimarães e da equipa anfitriã assistiram ao jogo na mesma bancada e sem qualquer separação física. Em tese , dizem, é um risco para a segurança de todos. O cartão  de adepto foi introduzido na ordem jurídica portuguesa por via da Lei nº. 113/2019 de 11 de Setembro, que alterou a Lei nº. 39/2009 de 30 de Julho, criando um novo conjunto de medidas de combate à violência no desporto, entre as quais as zonas de condições especiais de acesso e permanência de adeptos e esse cartão de adepto é que serve de chave de acesso  às zonas em causa. O que implica, diga-se, também uma substancial redução de receita para os clubes nesta fase pós-pandemia e em que a libertação total de restrições permite, em crescendo, e com a redução do receio, um alívio de tesouraria! E foi a pandemia que ocultou a dura realidade do cartão, sem ignorarmos que muitos dos intervenientes alertavam , desde há muito tempo, para essa realidade ! A solução do cartão do adepto não é , diga-se, caso virgem na Europa do futebol. De acordo com um interessante e detalhado relatório publicado pela Rand Corporation, a solicitação da Universidade do Catar, estudos realizados no Reino Unido e em Itália, os mecanismos de registo prévio de adeptos não tiveram qualquer efeito nos fenómenos de violência. E sabendo nós que estamos, nestas matérias, perante direitos fundamentais, consagrados na nossa Constituição, e a sua restrição - como é o caso - terá sempre de respeitar o princípio da proporcionalidade constante da nossa Lei fundamental. E é possível afirmar que uma medida que não funciona nunca poderá ser considerada proporcional para efeitos da Constituição da República Portuguesa. Não temos dúvidas que os prevaricadores , que os há, devem ser afastados dos espetáculos e recintos desportivos. Reprimam-se, sem tibiezas, os comportamentos ilícitos, mas não se limite a liberdade, não se restrinjam direitos fundamentais em abono de pretensas garantias securitárias que não funcionam, melhor que também não funcionaram em outros lugares, em outras realidades desportivas. Digo, assumo-o, que trilhamos caminhos perigosos. As entidades que regulam o futebol, e outras modalidades,  diria as que regulam o desporto português, não podem deixar de considerar prioritária esta matéria que ganha acrescida dimensão e a que a louvável  abertura total os recintos desportivos deu efetiva visibilidade. Não se procura apurar qual a causa dos fenómenos de violência, procurando-se resolvê-los através de medidas puramente repressivas. E se a experiência europeia significante nos diz que não resulta, a experiência recente da nossa Liga confirma-o. Um dos mais relevantes atores da arbitragem portuguesa, Luciano Gonçalves, afirmou esta semana, a propósito do cartão do adepto, que «se não funcionar, temos de ter a humildade de dizer que não funciona»! E ser humilde não significa «de modo algum procurar humilhações». Assumir o erro é um momento de dignidade. Sabendo nós que «o homem que não comete erros geralmente não faz nada»! Acredito que os decisores políticos e os relevantes atores desportivos, incluindo o Presidente da República e o primeiro-ministro, se empenharão, com urgência , na busca de uma melhor e mais adequada solução! E como nos ensina André Gide «o homem sensato é aquele que surpreende com tudo»! É no que, com urgência, acreditamos no que respeita ao defunto cartão do adepto!