Dilemas e contradições
1 Portugal é o campeão da Europa e venceu a edição da Liga das Nações. Portugal tem um campeonato de futebol que não é visto como estando no grupo dos melhores da Europa. Basta olhar para os jogadores seleccionados para os próximos jogos para entender esta aparente incongruência. De um total de 25 atletas, só três continuam a jogar na nossa competição maior: Pepe e Sérgio Oliveira (que, porém, já jogaram fora do país) e Rafa. O clube mais representado é o Wolverhampton (com 4 seleccionados, ou 7 se juntarmos os da convocatória sub-21!). Por países, 9 jogam na Inglaterra, 5 em Espanha, 4 em França, 2 na Alemanha e na Itália, ou seja nas 5 melhores ligas, e um atleta na Grécia. Esta comparação pode explicar o diferencial entre uma excelente selecção e um sofrível campeonato. O mesmo se pode dizer do desempenho globalmente desconsolador nas provas europeias de clubes, nesta década, se exceptuarmos três finais na Liga Europa (Porto vencedor; Benfica em duas ocasiões e SC Braga, vencidos). Esta desnatação constante dos melhores jogadores portugueses é uma constatação da nossa condição menor em confronto com os países mais abonados financeiramente. Dir-se-á que é uma inevitabilidade. Dos 22 estrangeirados escolhidos por Fernando Santos, 8 estiveram no Benfica, 6 no Sporting e 5 no Porto e apenas 3 têm feito carreira quase sempre lá fora. Ou seja, os três grandes do futebol português tiveram de abdicar de bons jogadores por razões de equilíbrio (ou menor desequilíbrio) das suas contas. O nosso mercado é demasiado restrito para lhes oferecer as condições que almejam e os nossos maiores clubes procuram, com maior ou menor retorno, extrair o máximo da formação de jovens, vender atletas já feitos ou com elevado potencial e recrutar futebolistas de mercados mais acessíveis (Brasil, países sul-americanos e México). A questão-chave é como melhor conseguir conciliar o risco e a incerteza inerentes a cada uma destas três vertentes.
2 Não escondo a minha decepção pela saída de um bom jogador que, desde menino viveu no seu e meu Benfica, e que já representava, apesar dos seus apenas 23 anos, a mística encarnada e tinha personalidade para liderar a equipa nos bons e maus momentos. Todavia, no contexto atrás citado, não entendo determinadas posições sobre a ida para o Manchester City. Não falo dos despeitados, que esses acham sempre mal qualquer coisa do Benfica e não disfarçam a sua azia nestas ocasiões. Mas falo do que li e ouvi sobre a oportunidade, natureza e montante da operação. Para mim, foi uma irrecusável transacção de um defesa-central, num ambiente recessivo da pandemia e quase tornada obrigatória depois da precoce eliminação da Champions. Quem discorda, o que faria? Qual a alternativa? Nestas ocasiões, fala-se sempre da formação como um dogma. É óbvio que a saída de jogadores brilhantes vindos da formação é sempre um momento doloroso e frustrante. Mas devendo procurar-se a retenção de talentos pelo maior tempo possível, como é que se pode lutar contra os assaltantes deste regime futebolístico global? Alguém seria capaz de evitar que João Félix tivesse saído, perante os valores da oferta e uma retribuição impossível de suster no Benfica? E o mesmo agora com Rúben Dias. A formação deve prosseguir o seu magnífico investimento em homens e atletas, de elevado retorno numa junção nem sempre fácil de retenção de alguns e de transferência de outros. Assim o impõe o nosso limitado mercado doméstico e a diferença de envergadura financeira para os grandes clubes europeus.
Ainda sobre Rúben Dias. Verifiquei que houve álgebras para todos os gostos para explicar (e, quase sempre, desvalorizar) o negócio. Por exemplo, o valor alcançado não foi de 68 milhões, mas apenas de 53 milhões, por causa do custo relativo a Otamendi, resumem uns críticos. Quem assim pensa faça o favor de passar sempre a descontar a uma venda, o custo da substituição do atleta que sai (mesmo que as operações não sejam simultâneas). Quanto muito pode discutir-se o valor de 15 milhões do argentino, mas nunca os 68 milhões do português.
Por outro lado, observei a catrefada opinativa sobre a idade de Otamendi (32 anos). Um alvoroço! Por exemplo, Pepe quando regressou ao FCP estava a um mês de completar 36 anos e agora, ainda como titular, fará 38 anos em Fevereiro e alguém agitou o papão da sua idade? Ou o regresso de Marcano quase nos 32 anos? E o bom jogador que foi Mathieu não deu boa conta do recado quando ingressou no Sporting quase a completar 34 anos? Já com Vertonghen, chegado ao SLB, com 33 anos, ouvi uns zum-zuns por causa da idade. Será que a escala etária de desvalorização no Benfica é mais adversa?
3 Nas competições europeias andamos sempre à compita com os russos no ranking. Ultrapassámo-los há pouco tempo, pelo que agora somos nós que temos dois lugares garantidos na fase de grupos da Champions e um terceiro para entrar na 3ª eliminatória prévia. Porém, as coisas não estão a correr bem neste início da época. Os clubes que disputaram eliminatórias prévias fracassaram. O Benfica contra um modesto PAOK não passou no exame da Liga dos Campeões. O Sporting sucumbiu clamorosamente perante o 4.º classificado austríaco e volta a ficar fora da Europa. O Rio Ave foi o que até excedeu as expectativas eliminando o Besiktas e uma equipa bósnia e perdendo inglória e imerecidamente contra o Milan, numa versão dolorosíssima da lei de Murphy. Assim, Portugal fica apenas com os 3 representantes que tinham presença já assegurada, ainda que com mudança de competição (Porto, Benfica e Braga), ou seja, com tantos clubes como a Rússia conseguiu meter na fase de grupos da Champions! Voltaremos ao ioiô Portugal-Rússia, agora entro eu, ora agora entras tu?
4 O futebol é pródigo na produção em massa de momentos de clamor ou de tragédia, de euforia ou de depressão. Numa semana, é assim, na semana seguinte pode ser assado. E depois, vice-versa. Passadas só três semanas de futebol a sério, o Sporting passou de equipa já formatada, serena, com bom futebol, com defesa de ferro (depois das vitórias contra uns modestos escoceses e de uma vitória contra o Paços de Ferreira por 2-0), para uma equipa impreparada, imatura e com defesa débil. O Benfica foi na pré-temporada o maior. Depois na Grécia, a quase falência do modelo. A seguir, brilhou em Famalicão. Entre o SC Braga com fundadas esperanças numa época inolvidável e o SC de Braga lento, previsível, desconcentrado, limitado, vão apenas 8 centímetros que foi o que não permitiu passar para 2-0 no Dragão, porque talvez agora se estivesse a dizer coisa diferente dos bracarenses. Nesta 3.ª jornada mais volte-faces: o Porto imperial, sábio, impenetrável a virar Porto sem ideias, sem banco, sem eficácia, até acomodado. O Benfica ganhou, mas sabe-se lá como. O Braga e o Sporting renasceram das cinzas prematuras. Dos píncaros ao abismo ou ao invés vai a distância do nada, em que a conjuntura semanal é quase ditatorial. A opinião tende a variar à velocidade da luz.