Diário de um louco

OPINIÃO03.06.201801:26

Ao chegar à página 34 da carta de rescisão de Rui Patrício deu-me a sensação de ter chegado ao fim de um tratado de psiquiatria (e não pelo Rui Patrício, claro). Talvez por isso me tenha saltado à ideia o Aksenty Ivánovitch de O Diário de um Louco do Gogol - que por lá escreveu (e foi do menos esquizofrénico que por lá escreveu):

- Ultimamente, vejo e oiço coisas que homem algum jamais viu ou ouvi…

Afiador de penas em envergonhada pobreza, sonha com o pedestal que não lhe chega - e a única coisa que brilha em si é a opulência da sua loucura, em retorcida arrogância e delirante vertigem, atirando ao diário angústias, devaneios e descarrilados pensamentos (assim):

- Tudo isto é ambição e provém do fato de haver debaixo da úvula uma vesícula e, dentro dela, um vermezinho do tamanho de um alfinete. Tudo isto é obra de um barbeiro que mora na Rua da Ervilha. Não lhe sei o nome, mas é sabido que ele, com uma parteira, procuram espalhar o maometismo por toda a parte…

As datas do diário mostram-lhe a mente estilhaçada: aparece o mês de Martubro e o dia 43 de abril de 2000 (estando-se no século XVIII) - e é nesse dia 43 de abril de 2000 que ele se vê Fernando VIII, o rei que faltava a Espanha. Levam-no para o manicómio e ele pensa que o levam para Espanha. Maltratam-no e ele acha que era o que não era:

- Eu, como rei, fiquei sozinho. E o chanceler, para meu espanto, golpeou-me com uma vara e enxotou-me para o meu quarto. É esta a grande força dos costumes tradicionais em Espanha!

Raspam-lhe a cabeça, sobre ela derramam-lhe, atrozes, baldes de água fria - e, na última página, percebe que a sua Espanha é, afinal, o seu manicómio.

A cada dia que passa vejo o fantasma (ou o espírito) de Aksenty a pairar sobre o Sporting (e não só). Mas não: esse fantasma (ou esse espírito) não paira apenas sobre o Sporting (ou um homem só no Sporting) - e bem mais perturbador é o ver-se tanta gente sem perceber que a sua Espanha é o seu manicómio...