Di María joga com a cabeça

OPINIÃO28.06.202306:30

Casos como o de Modric combatem o ‘idadismo’ no futebol. Aos 35 anos, o argentino ainda pode dar muito ao Benfica e ao campeonato

M UITO antes de se falar em idadismo já o futebol era um depósito de preconceitos sobre a idade. Estás a chegar aos 30? Já acabaste, era o que se dizia há um bom par de décadas, naqueles tempos em que não se ouvia falar em fisiologistas, nutricionistas ou todo o género de analistas. Eram os tempos em que Maradona, o maior de todos, assumia sem complexos que era um jogador «com pança», como chegou a afirmar numa curta entrevista à RTP quando defrontou o Sporting na Taça UEFA ao serviço do Nápoles.

Depois vieram os Milan Lab e toda uma série de jogadores italianos que saltavam a linha do tempo e adiavam o adeus aos relvados sem nunca perder a energia, o espírito competitivo e a força mental para mais um treino, mais um jogo, mais um título. Novos métodos, disciplina, tecnologia e conhecimento produziram um elixir de juventude, responsável por prolongar o crepúsculo em três ou quatro anos. Isto em média, porque depois há casos como o de Pepe para nos lembrar quão importante também são os genes.

Mas ainda mais extraordinário é o exemplo de Modric. Na conclusão da época futebolística mais intensa e longa de que me lembro, o internacional croata de 37 anos jogou 120 minutos na final da Liga das Nações frente à Espanha, quando tinha feito 106 minutos quatro dias antes diante dos Países Baixos, respetivamente o 67.º e 68.º encontros da temporada, distribuídos por La Liga, Taça do Rei, Supertaça de Espanha, Liga dos Campeões, Supertaça Europeia, Mundial de Clubes, Campeonato do Mundo, qualificação para o Euro-2024 e Liga das Nações. Assustador pelo desgaste e notável pela capa cidade de resistência. Um maestro que parece ser feito de ligas metálicas e que acaba de renovar com o Real Madrid, podendo vir a bater o recorde de Puskás como o futebolista mais velho a representar os blancos.

São os modelos como Modric que me fazem olhar para os 35 anos de Di María e acreditar que o argentino continua a ser um jogador de topo mundial, seja em que campeonato for. Teve vários problemas físicos na Juventus, mas não é menos verdade que os principais clubes em Portugal são dos melhores a nível europeu no cuidado, acompanhamento e tratamento dos seus futebolistas, contrastando com práticas de emblemas de topo onde os jogadores se dividem entre os departamentos médicos dos clubes e clínicas privadas.

Di María já não é o jogador explosivo que foi no Benfica e nas primeiras épocas do Real Madrid, mas hoje é um futebolista que sabe tudo sobre o jogo e isso não tem preço. Refinou a inteligência, sendo capaz de encontrar colegas com uma visão ao alcance de muito poucos. Pep Guardiola falou não há muito tempo sobre a importância do «quando». «Eu posso dizer à equipa que quero explorar esta ou aquela zona do campo e como fazê-lo, mas o fundamental é o quando: quando tomar a melhor decisão com bola em função do posicionamento do adversário. Isso são os jogadores que fazem, não sou eu». O argentino é um desses raros futebolistas que domina o quando e isso faz muito mais a diferença do que um sprint à procura da profundidade. Não por acaso já dizia Cruyff no alto da sua genialidade: «Jogas futebol com a cabeça, as pernas só estão lá para ajudar.»

Se o Lab funcionar, o Benfica terá aqui uma máquina de jogar e de pensar para um par de anos.