Deviam estar preocupados

OPINIÃO30.10.201900:26

1 - Quase 48.000 pessoas - o estádio cheio - foram ao Dragão ver o FC Porto enfrentar o Famalicão. Mesmo tratando-se do surpreendente líder do campeonato, não deixava de ser uma equipa recém-promovida e que, em circunstâncias normais, jamais poderia garantir uma lotação esgotada - ainda por cima, três dias após o fiasco da recepção dos portistas ao Glasgow Rangers, em que a um mau resultado se juntou uma má exibição. Do mesmo modo, no bem mais modesto campo do Tondela, os apoiantes benfiquistas trataram igualmente de fazer esgotar a lotação para apoiar a sua equipe - embora, no final e em vista do decepcionante espectáculo presenciado, alguns a tenham assobiado.
Quero com isto dizer que o interesse pelo futebol em Portugal não parece estar a diminuir, em termos de público nos estádios. E, em termos de interesse televisivo, no tal futebol falado, o panorama é idêntico, a avaliar pela profusão de programas a ele dedicados, ocupando intermináveis e incompreensíveis horas de transmissão - mas que as audiências devem justificar. O interesse mantém-se, portanto. Mas se o interesse se mantém, se a procura não vacila, a oferta, essa, não a justifica: está-se a jogar muito mau futebol em Portugal.
A recente jornada europeia, pondo-nos em comparação com equipas piores ou ao nível das nossas principais equipas, foi disso cabal demonstração. De facto, pese aos resultados bem aceitáveis verificados, a única vitória relevante foi a do SC Braga em Istambul. De resto, o Benfica conseguiu a sua primeira vitória e os primeiros pontos ao fim de três jogos na Champions, contra um Lyon em queda livre, através de um desempenho medíocre e de um golpe de sorte determinante para o resultado final; o Sporting só com grande injustiça e igual dose de sorte conseguiu uma vitória caseira sobre os modestíssimos noruegueses do Rosenborg, e o Vitória de Guimarães, embora à beira de uma proeza no Emirates, enfrentou ali a equipa B do Arsenal e perdeu a vitória devido a dois pontapés livres de soberba execução mas cuja origem se deveu a uma clássica menoridade dos defesas das equipas nacionais: não resistirem a fazer faltas, mesmo desnecessárias e mesmo em zona perigosa, de cada vez que um avançado contrário ameaça entrar na sua área; quanto ao FC Porto, que parece ter desaprendido de jogar na Europa este ano, consentiu um empate caseiro contra o Rangers, uma equipa banalíssima, apenas com um jogador de categoria: o avançado-centro colombiano Morelos, que, sozinho, colocou em pânico toda a defesa do FC Porto, o jogo inteiro. Um jogo em que o FC Porto esteve totalmente desinspirado e temeroso, com um meio campo central formado por Danilo e Uribe que, mais uma vez, foi um passador para as ofensivas contrárias e um deserto de utilidade para lançar o jogo ofensivo da equipa.
Tendo visto grande parte dos jogos europeus das nossas equipas, constatei como todas estão a jogar pouco e até a copiarem-se na falta de qualidade de jogo: dir-se-ia que parecem formatadas todas pela mesma escola, num futebol previsível, estéril e sem rasgo. E olho para o que já vai decorrido da época e constato que o Sporting, por múltiplas razões, não joga nada; que o Benfica não fez até agora um único jogo decente,  embora siga a par no primeiro lugar e Bruno Lage acumule 25 vitórias em 27 jogos de campeonato - o que quer dizer que, não desfazendo nos méritos que tem, é um treinador de sorte, pois dessas 25 vitórias, um terço, pelo menos, foi sem justificação nem justiça. Não por ser portista, mas porque é o que penso, julgo que o FC Porto ainda foi, apesar de tudo, aquele que, embora intermitentemente, apresentou alguns dias de bom futebol: contra o Vitória de Setúbal, contra o Benfica, contra o Portimonense durante 70 minutos, e agora contra o Famalicão. Pelo menos, em ocasião alguma vi o Benfica ou o Sporting mostrarem um futebol ao nível desses quatro jogos do FC Porto. Mas, tudo visto, esta está a ser uma época de mau futebol e os treinadores dos grandes deviam pensar nisso, pois têm mais responsabilidades do que os outros. A essa luz, não deixa de ser preocupante ver Bruno Lage, um treinador que eu admiro, estender-se em intermináveis e palavrosas explicações ultra técnicas para tentar embrulhar o que não tem disfarce: que o Benfica não está a jogar nada. E o pior (para os benfiquistas, bem entendido) é que ele acha que sim, que estão a jogar bem - mesmo depois de assistir à venturosa vitória em Tondela, através de um banal pontapé de canto e depois de Vlachodimos ter evitado três ou quatro golos do Tondela e o árbitro ter perdoado o vermelho a Florentino, logo ao minuto 27 e ainda com o resultado a zero.

2 - Segunda-feira lá tive que levar com as bocas dos benfiquistas sobre os três golos «oferecidos» pelo Famalicão ao FC Porto - algumas em tom de gozo, outras nem tanto, disfarçando mal um veneno de insinuação maldosa. Porque a memória dos homens é fraca, esqueceram-se que, antes das ofertas, o guarda-redes do Famalicão já tinha, aos 20 minutos de jogo, salvo quatro golos cantados. E também se esqueceram, é claro, que, uns dias antes, Anthony Lopes oferecera a Pizzi a oportunidade para um grande remate, mas um golo caído do além, que valeu dois preciosos pontos na Champions. O que vale para mim não vale para ti…
Ofertas à parte, gostei de ver, como aqui reclamara, o regresso de Corona ao seu lugar na ala direita do ataque, ainda para mais, deixando muito melhor servida a posição de lateral-direito por parte de Mbemba - um jogador que, pela sua multifuncionalidade mas não só, se está a revelar cada vez mais valioso. Gostei de ver também Manafá na sua posição de origem, no flanco esquerdo da defesa, mesmo sabendo que esse é um lugar cativo de Alex Telles, e gostei de ver como Sérgio Conceição preparou muito melhor este jogo do que o jogo contra o Rangers e não teve medo de deixar de fora três titularíssimos, sem com isso perder qualidade de jogo: é assim que se firma a ideia de equipa. Vejamos se todos estes progressos se confirmam hoje, no sempre complicado jogo nos Barreiros. Ganhar é fundamental e será um grande impulso para os dias carregados que aí vêm.

3 - E lá tive de assistir, em diferido, ao tão anunciado Flamengo-Grémio da segunda mão das meias-finais da Libertadores. Como todos os portugueses, julgo, torci pelo Mengo e por Jorge Jesus. A primeira parte do jogo foi chatíssima, mas a segunda foi uma cavalgada do Flamengo, num daqueles jogos em que tudo sai bem e em que com cada tiro se mata um melro. Os meus amigos brasileiros são unânimes na leitura que fazem desta aventura carioca de Jesus: dizem eles que o Flamengo tem actualmente a melhor estrutura e a melhor equipe do Brasil, tendo investido como nenhuma outra; mas que é indiscutível que Jesus teve unhas para pegar neste Ferrari e que já convenceu mais de meio  Brasil. O que falta será conquistado quando o Mengão vencer o Brasileirão (que já não lhe deve escapar) e, sobretudo, se conseguir em Santiago do Chile derrotar o River Plate e trazer para o Rio a Taça Libertadores, que lhe escapa há 27 anos. Vai ser bonito estar no Rio, nesse dia! Se o conseguir, Jorge Jesus não apenas será feito cidadão honorário da cidade maravilhosa, também chamada de S. Sebastião do Rio de Janeiro, como também resgatará no coração de tantos emigrantes nossos décadas de piadinhas maldosas e desconsiderações habituais de alguns brasileiros. Oxalá!