Dever de gratidão e desejo de renovação
1 - Estamos a pouco mais de duas semanas das eleições para os órgãos sociais do Sport Lisboa e Benfica. Por isso, escrevo sobre este importante momento associativo. Faço-o livremente, sem dependências ou favores, sejam de que natureza forem. Sou, tão-só, com 72 anos de idade, o sócio n.º 6102.
Escrevo sem qualquer carácter proselitista. Opino sem qualquer sentido divisionista. Analiso sem qualquer maniqueísmo redutor. Decido sem qualquer pretensão de infalibilidade. Apenas como expressão do meu dever de associado. Neste caso, optar é o exercício livre de uma escolha entre candidatos que, em boa hora, tiveram a coragem de se apresentar ao universo benfiquista.
Em tese, uma candidatura abarca um líder, uma equipa, um ideário, uma ética, um contexto, um programa. Vou-me deter apenas no candidato incumbente, Luís Filipe Vieira, e no candidato João Noronha Lopes. Não desconsidero a candidatura de Rui Gomes da Silva, mas reside naqueles a derradeira triagem que fiz.
2 - Como sócio, estou muitíssimo grato a Luís Filipe Vieira pelos seus 17 anos de presidência do SLB. Foi, em primeiro lugar, o principal (embora não único) rosto da salvação do clube que, no princípio do século, estava desportiva, financeira e institucionalmente em acelerado risco de colapso. Com ele, e nos últimos 10 anos, voltámos à normalidade dos sucessos desportivos, enquanto código genético deste grande clube, seja no futebol, seja nas modalidades que muito significam para o benfiquismo ecléctico. Com ele, o clube passou a ser solvente e patrimonialmente valorizado. Com ele, o clube passou a ter o melhor estádio e das melhores estruturas mundiais de apoio às actividades desportivas e de acompanhamento dos atletas. Com ele, relançou-se a formação, com notórios resultados desportivos e financeiros. Com ele, potenciaram-se receitas sustentadas de merchandising e aumentou a atractividade do nome do clube (agora diz-se marca bem sei, mas não gosto da expressão, tal qual detesto uma outra, a de cliente). Com ele, lançaram-se e revitalizaram-se parcerias estratégicas nacionais e internacionais. Com ele, foi criada uma estrutura funcional muito profissionalizada, longe do modo artesanal em que o SLB se enredava. Com ele, o clube deixou de ficar hiper-dependente ou mesmo refém do sistema bancário. Com ele, conquistámos o tão desejado tetra no futebol (ainda que, para o penta, a sobranceria tenha sido fatal). Com ele, alcançámos duas finais na Europa (o que já não acontecia desde 1990) e três na Youth League (em apenas 7 edições). Com ele, o desporto feminino foi generalizado e valorizado. Com ele, foi lançada com sucesso a BTV. Com ele, se respeitaram a memória e a história do clube através de um incomparável Museu. Com ele, se espraiaram, por todo o país e na diáspora, Casas do Benfica, assim se reforçando o associativismo além da sede. Com ele, a Fundação Benfica é uma forma de olhar solidário para quem mais precisa do Benfica.
Apreciei o seu discurso de anúncio da candidatura. Foi sensato, foi humilde, reconhecendo erros, alguns que se revelaram nocivos, foi desafiante para os próximos tempos, foi sonhador sem que tenha sido fantasioso. Curiosamente, neste seu discurso LF Vieira foi o que, algumas vezes, não conseguiu ser nestes quase vinte anos, em que se deixou seduzir por uma certa soberba para dentro e para fora, em que teve dificuldades em assumir erros que fazem parte da vida de qualquer decisor por mais competente que seja, e em que, por vezes, o seu entusiasmo se perdeu em ziguezagues inconsequentes, caprichos e utopias irrealistas. Mas que fique claro: a minha gratidão de benfiquista afasta-me da visão cínica de ver o copo meio-vazio, ainda por cima depois da miséria encontrada de um copo sem água.
Vieira disse também que este será ou seria o seu último mandato de quatro anos. Disse-o e repetiu-o de um modo tão peremptório, que eu não quero sequer duvidar da sua genuinidade e propósito. Aplaudo este seu anúncio. Nada tem de negativo, antes é uma sensata constatação de que os cargos são sempre temporários e não se devem eternizar, quaisquer que sejam as áreas e contextos. É quase sempre mais difícil sair do que entrar. Sair no tempo certo é um acto de lucidez e sabedoria.
3 - Ora aqui chegado, passo para a candidatura de João Noronha Lopes. Trata-se de um benfiquista integral e íntegro, foi vice-presidente de Manuel Vilarinho e creio que contemporâneo de Vieira no futebol, tem uma intensa experiência de gestão em ambiente global da economia, é uma pessoa eticamente respeitável e está na idade certa para conjugar maturidade, experiência, iniciativa e vitalidade. É, pois, um candidato, não para ter uns momentos fugazes de glória mediática, não guiado por um qualquer aventureirismo de ocasião, mas para poder ser vencedor agora, ou no próximo futuro. Li que Vieira e Noronha se encontraram e que o actual presidente terá convidado o agora seu concorrente para fazer parte da sua lista como putativo sucessor. Sabemos como, ao longo dos anos, Vieira tem sido um hábil negociador de expectativas, o que explica a incorporação nas suas equipas de sucessivos e, em alguns casos, incisivos ex-opositores. Entre outros, José Eduardo Moniz, João Varandas Fernandes, Fernando Tavares. Não vejo mal nisso, desde que não seja uma forma de unanimismo maquilhado, mas antes potencie uma mais sã convergência através da diferença.
4 - Li, com atenção, todos os programas apresentados. Analisei-os à luz de aspectos que considero essenciais para o Benfica do futuro e que, aqui, apenas exemplifico: alteração estatutária que limite, com razoabilidade, os mandatos, que imponha exigências de natureza deontológica ao seu exercício e que impeça quaisquer conflitos de interesses directos ou indirectos; garantia de uma segura transparência e escrutínio na gestão e fiscalização do clube; estabilidade da estrutura accionista da SAD, garantindo sempre a maioria do capital e evitando aventureirismos incompatíveis com os interesses superiores do SLB; estabelecimento de regras que limitem actos de gestão que envolvam importantes consequências para além do mandato sufragado (por exemplo, receitas antecipadas); solidez financeira e patrimonial que, com racionalidade estratégica, imunize o mais possível o risco de eventos negativos; política desportiva que optimize o binómio investimento na formação/sucesso desportivo (por outras palavras, que não faça da formação um dogma acima de tudo o resto, ou que, ao invés, a secundarize em favor de plantéis de compra-e-venda); compatibilização de presidencialismo e de colegialidade, isto é, nem um presidencialismo excessivo e castrador, nem uma excessiva colegialidade inibidora da decisão no momento e modo certos, numa actividade em que o tempo é uma variável decisiva; racionalização e emagrecimento da estrutura operacional, baseada na meritocracia e sem amiguismos; política de comunicação social e externa que seja estável, rigorosa, pedagógica e exemplar; e uma BTV ao serviço dos sócios e não de dirigentes de cada momento.
5 - Tenho bons amigos nas diferentes listas. Amigos a quem louvo a coragem e o modo como servem ou desejam servir abnegadamente o SLB, e que me dão garantias de excelentes desempenhos. Gostaria de votar juntando o dever de gratidão e o desejo de renovação. Sendo que tal não é possível, votarei em Noronha Lopes porque as eleições, tendo embora presente a força do passado, dizem respeito aos desafios do futuro.
Para esta minha opção, não nego que também tenho presente os danos reputacionais com que o meu clube se tem deparado por situações do foro judicial, ainda que não fazendo qualquer juízo sobre a sua justiça ou injustiça. Mas, espero, com sinceridade e amizade, que o actual presidente saia incólume das pendências (bem como o clube).
6 - Por fim, há um ponto que também me influenciou. Pode parecer um pormenor, mas, enquanto sócio e pagante da BTV, acho insuportável a sua ausência na cobertura das eleições. Como acho que o actual presidente deveria dar-se ao debate de ideias, em vez de monólogos em canais externos. Não caio na ingenuidade de conceber esta orientação como alheia aos actuais dirigentes. Chegou-se ao inenarrável ponto de só vermos a apresentação de candidaturas em outros canais, enquanto a BTV, à mesma hora, reproduz um qualquer joguinho de infantis numa qualquer modalidade. O interesse superior do clube mandaria que o seu canal desse a conhecer, em condições de igualdade, os propósitos dos protagonistas do mais importante acto estatutário. Até porque sendo o actual presidente candidato, é sempre inevitável que o candidato que é presidente continue a ser notícia na BTV. Lamentável é, ainda, que, embora não havendo cobertura eleitoral, tenha havido uns (felizmente poucos) comentadores residentes que não se coibiram de fazer indirectamente campanha pelo candidato que lhes vem pagando as avenças e os honorários.