Desporto em estado de emergência

OPINIÃO19.08.202306:30

A crise na Santa Casa da Misericórdia faz tocar os alarmes e reabre o problema estruturante do modelo de financiamento do desporto em Portugal

Omundo do desporto português está a viver tempos de profunda inquietação com os cortes pré-anunciados do financiamento que se pensaria seguro da Santa Casa da Misericórdia. Logo que foram conhecidas as primeiras cartas dirigidas às Federações desportivas, de imediato se levantou um clamor de indignação, liderado por José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, e que viria a acusar a Santa Casa de estar a ser gerida com base numa filosofia neoliberal e, por isso, de abraçar um «capitalismo puro e duro».

Muitas vozes se juntaram e o próprio governo, através do secretário de estado do Desporto, João Paulo Correia, manifestou profunda preocupação e solicitou uma reunião com  caráter de urgência à Provedora, Ana Jorge.

Entende-se o estado de emergência geral no desporto português. Sem possibilidade de se autofinanciar, o desporto depende dos financiamentos previstos pelo orçamento geral do Estado, do apoio significativo da Santa Casa da Misericórdia e de pouco mais. 

Defendem as instituições desportivas que o desporto é um bem essencial para o país, de uma importância transversal e também por isso insubstituível nas áreas da saúde, do social, com destaque para a inclusão e para uma saudável mobilização jovem, da educação, da economia, e ainda, ao nível da competição de elite, como fator marcante de representatividade nacional, o que, aliás, tem sido sempre sublinhado por todas as forças políticas, incluindo o Presidente da República, que se afirma como um admirador atento dos feitos e das proezas internacionais dos atletas portugueses.

Ana Jorge, provedora da Santa Casa


Acresce que a Santa Casa da Misericórdia recebeu do Estado o licenciamento para desenvolver jogos e apostas sociais, muitas delas com base na atividade desportiva e que representam uma fatia importante do volume de rendimento da Instituição que tem, ou deveria ter, fins de natureza social.

A discussão, como muitas, em Portugal, entrava no problema do dinheiro. A Santa Casa diz viver tempos de crise e, como tal, não pode distribuir o que não tem. As organizações desportivas lembram que a culpa maior dessa crise é a da gestão absurda da própria Santa Casa que, impunemente, fez investimentos suicidas, entre eles, o da tentativa disparatada de se tentar introduzir no mundo inacessível do jogo, no Brasil. O governo tenta, apenas, minimizar estragos e procura o melhor acordo possível, antes que seja chamado de urgência a aumentar os números do financiamento do Estado.

A situação é, de facto, muito preocupante e a ser verdade que a Santa Casa não agiu como agiu por uma visão política do problema, mas, meramente, económica, dificilmente se encontrará uma solução benigna. E este problema conjuntural, assim surgido num repente inesperado, volta a por a nu o problema estrutural, que é o do financiamento do desporto. A subsidiodependência é a regra e por isso também o vício. Não gera multiplicidade de investimentos e não suscita a urgência de uma discussão séria e coletiva. É ao governo que compete abrir essa discussão e dispor-se a apresentar soluções inovadoras, sobretudo na área das tributações e dos impostos, de forma a poder criar espaço a múltiplas fontes de financiamento (individuais e de empresas) que se possam sentir minimamente compensadas se optarem por um apoio direto e consistente ao desporto. Sendo certo que algumas organizações desportivas não podem deixar de refletir sobre a sua realidade interna, sobre o peso muitas vezes excessivo da máquina administrativa e sobre a rentabilidade de investimentos que são, apenas, despesas sem retorno. 

 

 

DENTRO DA ÁREA – VOLTA ABERTA E SEM FAVORITOS 

Hoje é dia da subida à Senhora da Graça. É o nosso pequeno Tourmalet, à dimensão do país e, por enquanto, do nosso ciclismo. Seja como for, esta Volta a Portugal tão aberta e tão sem favoritos, mesmo sem os superheróis do Tour, da Vuelta ou do Giro tem entretido. Há enorme competitividade. Pode dizer-se que está nivelada por baixo, mas também é indesmentível que gera  interesse ou, pelo menos, curiosidade. É um avanço. Sem camisolas do Porto, do Benfica e do Sporting, a Volta luta pelo regresso do seu direito à História. 

 

 


FORA DA ÁREA – CONFESSO-ME IRRESPONSÁVEL 

Talvez que a sensação de um certo contentamento seja, apenas, uma irresponsabilidade e um egoísmo, porque a causa estará, eventualmente, nas mudanças climáticas. A verdade é que, ontem, estavam pouco mais de vinte graus em Lisboa e quase trinta na Praia Grande, onde uma população entusiasmada de banhistas nadava num mar de calma algarvia e de temperatura simpática. Claro que as gentes da terra reclamam do “calor insuportável” e é provável que a vindima do Ramisco comece mais cedo. Mas para os veraneantes é o paraíso.