Desculpem-me falar de coisas sérias...
Nas entrevistas: há pessoas que dizem coisas e outras que transmitem ideias. Uma entrevista para dizer coisas é uma perda de tempo. Para o jornalista e para o entrevistado. Mas há muitas assim. Ou porque o jornalista não tem nada de interessante para perguntar ou porque o entrevistado não tem nada de interessante para dizer. Uma entrevista para transmitir ideias é um exercício saudável de jornalismo, que tem efeitos didáticos e que respeita a inteligência de quem a lê ou de quem a ouve.
Dois exemplos muito recentes, um do Sporting e outro do Benfica, de gente que não se limita a dizer coisas e que transmite ideias: Aurélio Pereira, que concedeu uma excelente entrevista a este jornal e que merece ser lida e analisada, porque acrescenta conhecimento, soma saber e prova que a união do saber com a experiência é um valor absoluto, que não se pode substituir por qualquer outro.
A outra entrevista de que vale a pena falar é a de Domingos Soares de Oliveira à agência Efe, na qual o administrador do Benfica coloca a pertinente questão da necessidade de se internacionalizar o futebol português, provavelmente, o desafio mais urgente e mais complexo dos nossos principais clubes, a curto e a médio prazo.
Há, no caso de Aurélio Pereira, uma visão de futuro com base na experiência do passado. Já não se trata de uma aposta visionária, mas de um registo científico, na medida em que nos propõe um caminho que a experiência já provou: investimento na qualidade de técnicos e de toda uma estrutura de apoio à formação do jovem jogador (formação desportiva, sim, mas, acima de tudo, formação humana) como base essencial ao crescimento do futebol profissional.
Quanto a Domingos Soares de Oliveira, a sua perspetiva é mais futurista e contém uma adversidade, a qual, aliás, não é abordada na entrevista: a necessária internacionalização do Benfica poderá depender, apenas, de um trajeto nacional de sucesso?
Este é o problema maior. Dificilmente um clube, mesmo com a dimensão do Benfica, que Domingos Soares de Oliveira considera, sem exibicionismo, demasiado grande para Portugal, pode ascender a um patamar de grande clube mundial sem ter, na base, uma competição nacional forte, equilibrada, organizada, moderna.
E esse é o obstáculo maior que se coloca ao objetivo proposto pelo dirigente do Benfica. Em Portugal, mesmo ao nível dos seus principais rivais, o Sporting ainda está num patamar abaixo, onde a luta é pela sobrevivência do espaço e da dimensão; e o FC Porto, não tendo sabido tirar proveito do sucesso desportivo, nacional e internacional, que obteve no bom tempo, prolonga sem novidade ou rasgo o final de ciclo do pintismo, com a sua visão tradicionalista de um regionalismo exacerbado que, desde logo, condena a perspetiva de uma estratégia internacional, mesmo com a afirmação de traços culturais e identitários fortes, como acontece, por exemplo, com o Barcelona e a Catalunha.
Sem parceiro nacional, o Benfica, ainda assim, procura a proeza histórica de navegar os oceanos e chegar à América e à China. Algo que, provavelmente, já aconteceu com velejadores solitários, mas com resultados mais ao nível do pitoresco do que da consagração.
No entanto, percebe-se que Domingos Soares de Oliveira sabe que não há futuro numa ideia de dimensão maior de um clube de futebol - qualquer clube e em qualquer lugar - sem conquistar um lugar como parceiro privilegiado de uma nova indústria mundial que não apenas transformará o futebol, como se libertará, num futuro mais ou menos próximo, das últimas veias de romantismo que ainda une esse futebol ao coração de um conceito desportivo.