Dérbi à moda do Porto no dia de S. João

OPINIÃO20.06.202004:00

Os presidentes das Câmaras do Porto e de Vila Nova de Gaia solicitaram o adiamento do FC Porto-Boavista. Procuravam a intervenção do Governo, da autoridade de saúde e da Liga para evitar que o dérbi do Porto se jogasse na noite de S. João, porque, segundo afirmavam, tinham receio de que o encontro provocasse uma indesejável concentração de pessoas numa cidade que tem tido excelentes resultados pela ausência de contágios de coronavírus.


Tinham, do seu lado, o argumento de que todas as celebrações daquela que é a maior festa da cidade do Porto tinham sido canceladas e tomadas medidas especiais de encerramento mais cedo de lojas comerciais e de limitação de áreas de maior fluxo de trânsito.


Os proponentes tinham contra eles o facto demasiado fotográfico de ambos os presidentes fazerem parte de órgãos eleitos do FC Porto, o que levou o Benfica, em comunicado, a referir que eles estavam mais interessados em defender os interesses do seu clube do que da cidade ou, mesmo, da saúde pública.
O critério da segurança deve ser, obviamente, predominante em qualquer decisão. Porém, Lisboa já teve um Santo António confinado, sem marchas na avenida, sem reboliço em Alfama e até a própria diretora-geral da Saúde, a dra. Graça Freitas, teve de vir apresentar explicações suplementares para esclarecer, de uma vez por todas, que todos os arraiais, tal como eram conhecidos e vividos em Lisboa, estavam proibidos. E, de facto, a cidade compreendeu, aceitou e viveu o seu dia de Santo António mais triste e menos festivo de uma história de muitos e muitos anos.


Assim será, certamente, no S. João. Em Lisboa não houve sardinhas, no Porto não haverá martelinhos, nem alhos porros. Fica para o ano. E assim sendo, não se entenderia muito bem a razão pela qual numa noite que não será festiva haveria razões de festa por causa de um jogo de futebol igual a outros jogos de futebol que se têm realizado no Dragão e em todo o País, sem público nas bancadas e sem concentrações permitidas nas imediações dos estádios.


Acresce que na corrida (aliás, lenta) entre FC Porto e Benfica para o título, tudo o que alterasse o calendário estabelecido, depois de, em devido tempo, visto, revisto e aprovado por todos, poderia provocar mais celeuma e dar uma ideia de favorecimento de um dos concorrentes, o que poderia pôr em causa a verdade desportiva.
Entretanto, o FC Porto e o Boavista vieram pronunciar-se no sentido de que preferiam jogar na data previamente estabelecida, o que deixa no ar uma questão inexplicável e intrigante: como foi possível os dois autarcas tomarem uma posição conjunta sobre o adiamento, sem terem, antes, conversado com os principais interessados, ou seja, os clubes da cidade?


Não se poderia esperar, evidentemente, que a Direção-geral da Saúde tivesse tempo e paciência para se ocupar de estratégias clubísticas. Assim, logo se percebeu que iria competir à Liga a avaliação da proposta de adiamento, sabendo, no entanto, que qualquer mudança de percurso, a meio da viagem, lhe poderia trazer mais problemas do que aqueles que já serão de esperar num final de época tão especial, jogada em regime de exceção.


Com sensibilidade e bom senso a Liga decidiu-se pela manutenção da data do jogo. Em parte porque a calendarização é demasiado apertada para encontrar datas alternativas, mas, no essencial, porque não havendo festa no S. João, cessam as razões para aceitar qualquer proposta de adiamento.
O dérbi do Porto será, assim, a única celebração possível e devidamente confinada do S. João.