De zé-povinho a Zé Carioca
Faltava a Jesus este feito cinematográfico, as conquistas brasileira e sul-americana, para aperfeiçoar o conto. Finda-se assim a narrativa: de zé-povinho a Zé Carioca, personagem Disney do bom malandro do Rio, que não estrilha, muda de esquina.
«Aqui dizem amo-te, falam de amor, são povo de música, diversão e sentimento», espantou-se Jesus. Fiquei a pensar em como isto ia tão acertadamente ao encontro do cliché brasileiro: porque usam o português de forma menos cortês, menos assenhorada; porque sambam e nós fadejamos; porque têm um carnaval quente e nós depressivos cortejos à chuva. São as ideias que guardamos das coisas mas acima delas há, felizmente, os factos.
Usa-se, então, um índex chamado Comparativo de Hofstede, que confronta dados dos países para lhes medir o coletivismo, por oposição ao individualismo, ou seja, o grau de integração dos indivíduos nas sociedades. EUA, Reino Unido ou Alemanha, com 91, 89 e 67 pontos na tal escala de individualismo, têm cidadãos com ambições mais personalizadas, gentes mais solitárias, com atitudes, e até doenças, relacionadas. E são mais contidos a expressar sentimentos. Já o Brasil, com 38 pontos, é, sim, mais coletivo, com pessoas mais afáveis. E Portugal? 27 pontos. Por esta escala é até mais coletivo, com cidadãos mais capazes de partilhar, do que o Brasil. As ideias podem, como se percebe, iludir.
Se Jesus ouviu fado no Rio de Janeiro - Mariza, disse ele -, recordemos que há canções de bossa-nova que, sambas mascarados de jazz, revelam sentimentos de um desalento perpétuo, como aquela da dupla carioca Vinicius de Moraes e Tom Jobim: «tristeza não tem fim, felicidade sim.» Talvez o próprio não o tenha percebido mas a alegria do Flamengo foi Jesus quem a levou, não estava necessariamente lá à espera dele.