De volta à normalidade

OPINIÃO04.09.201904:00

1Alguém comentou comigo na semana passada que o Famalicão ir em primeiro lugar era a grande notícia à terceira jornada do campeonato. Eu discordei e, sem desmerecer no Famalicão - cujo início de prova está a ser, de facto, de modo a poder garantir-lhe desde já preciosos pontos para a manutenção - sustentei, pelo meu lado, que a grande notícia era o Sporting estar em primeiro lugar. E sem desprimor para o Sporting, mas apenas porque tal não é normal, seja à terceira ou à trigésima jornada.


Bom, foi preciso esperar apenas mais uma jornada para que a normalidade a que estamos habituados fosse reposta, salvo a já referida excepção famalicense. Benfica e Porto lá vão a par no topo, seguidos do Sporting no seu natural quarto lugar e, mais abaixo, aqueles que é de bom tom arrolar como teóricos candidatos ao título, Braga e Guimarães.


O Sporting, passado o difícil obstáculo de Portimão, viria a cair num aparentemente mais fácil desafio caseiro com o Rio Ave, com a particularidade de ter sofrido três golos de penálti, eles que são os crónicos campeões dos penáltis a favor e não contra. Longe do país, não tenho seguido a saga da venda/ não venda de Bruno Fernandes, mas creio que tudo estará na mesma, a avaliar pela sua presença no jogo de sábado. Qualquer que tenha sido o desfecho, porém, ele não pode ter deixado de causar mossa, quer no jogador, quer na estabilidade da equipa e do próprio treinador. E o mesmo se diga da, para mim incompreensível, venda de Bas Dost, a preço de saldo e logo seguida do anúncio da procura de outro ponta de lança que, para ser de categoria ao menos próxima da do holandês, só pode custar ainda mais.
Na deslocação do Benfica a Braga, eu, sinceramente, nunca acalentei esperanças algumas, do ponto de vista dos interesses portistas. Não só devido ao previsível cansaço do jogo do Braga na quinta-feira em Moscovo, que lhe valeu uma brilhante qualificação para a fase de grupos da Liga Europa, mas, sobretudo, porque já desde há uns largos anos para cá que os jogos do Benfica com o Braga, seja em Lisboa, seja lá em cima, são sempre um tranquilo passeio para os benfiquistas. Seja qual for a equipa do Braga ou a do Benfica, o treinador de uma ou outra equipa, praticamente desde que Luís Filipe Vieira é presidente do Benfica e António Salvador é presidente do Braga, a hegemonia do primeiro sobre o segundo - dentro e fora do campo - já se tornou coisa banal. Não me perguntem a mim porquê, perguntem a eles. Desta vez, o passeio fechou com um 4-0 que até meteu dois autogolos e um Sá Pinto que encaixou a pesada derrota com tamanha naturalidade e descontração que nem parecia o mesmo Sá Pinto que nunca gostou de perder nem a feijões. E assim, mais do que uma vitória em Braga, num jogo teoricamente difícil contra um teórico candidato ao título, o Benfica trouxe de lá um conforto de alma de que bem precisava depois da infeliz jornada do último sábado. É para isso que servem os amigos.


Já o meu FC Porto ia causando a surpresa da jornada, partindo de um estado de espírito que se julgaria absolutamente inverso ao do Benfica. Depois da regeneração iniciada com o Setúbal e brilhantemente, dir-se-ia, consumada com a vitória e a exibição de luxo na Luz, ninguém poderia esperar ver o jogo que o Porto apresentou contra o Guimarães. Um Guimarães com razões para estar também cansado por um jogo europeu na quinta-feira e logo obrigado a jogar com um a menos desde o primeiro minuto e dois a menos desde o minuto 76. Pois, nestas circunstâncias e mais um estádio cheio de um público entusiasta, que fez o FC Porto? Fez um jogo miserável - não há outra palavra para o descrever. Até dez minutos do final e só após a entrada de Otávio (que, quando entra, oferece sempre um golo, mas que nem isso lhe adianta aos olhos do treinador, que prefere um Romário Baró ligado a um motor generoso mas que só o deixa ver para trás), a equipa portista ofereceu aos seus adeptos, como se eles tivessem saudades disso, um remake dos primeiros jogos da época, cujo estilo de jogo teve consequências sabidamente fatais. Frente a uma equipa reduzida a dez antes mesmo de ter começado a jogar e desprovida de atacantes na área por opção do seu treinador, o FC Porto ocupou em permanência nada menos do que sete dos dez jogadores de campo - Corona, os dois centrais, Danilo, Uribe, Luis Díaz e Romário Baró, numa espécie de treino de circulação de bola entre eles, sempre para o lado e para trás, durante 75 longos, penosos e indecorosos minutos. Só no início da segunda parte, a ganhar por um perigoso 1-0, a saída com bola fez-se com 12 passes consecutivos entre estes sete, sem ultrapassarem o seu meio campo e sem que, como sucedeu ao longo de todo o jogo, os adversários sequer saíssem ao caminho para lhes disputar a bola. Uma total falta de respeito pelo jogo, pelo público e pelo espectáculo. Dir-se-ia que a equipa era capaz de ficar assim o jogo todo, contentando-se com uma vitória espremidinha, não se tivesse dado o caso de o Vitória ainda ter ficado reduzido a nove e antes disso, num assomo de orgulho, tivesse vindo ele para a frente e só não tivesse empatado em três ocasiões que criou porque suspeito que o FC Porto tem agora na baliza o melhor guarda-redes que já teve desde Vítor Baía, Casillas incluído. Agora, fica a pergunta: qual é o verdadeiro FC Porto? O do Setúbal e da Luz ou do Krasnodar, Gil Vicente e Guimarães?

2A desgraça da eliminação do FC Porto da Champions não se traduziu só na derrota desportiva e na perda de, pelo menos, 44 milhões de euros. Traduziu-se também no reforço directo, desportivo e financeiro, que essa eliminação trouxe ao Benfica. Desde logo, a nível de receitas, maior encaixe por não ter que dividir as receitas televisivas. Depois, com a ascensão ao Pote 2, no lugar que era do FC Porto, a faculdade imediata de escapar ao rol de tubarões que faziam parte desse Pote 2, colocando-o automaticamente em posição de lutar pelo segundo lugar e qualificação para os oitavos. E como a isso se juntou a tradicional sorte do Benfica nos sorteios, aconteceu ainda que escapou a todos os tubarões que havia no Pote 1 (PSG, Bayern, Manchester City, Juventus, Liverpool, Barcelona e Chelsea), calhando-lhe a única equipa acessível, o Zenit: ou seja, uma hipótese a não desperdiçar de lutar pelo primeiro lugar no grupo e poder olhar, não para oitavos de final, mas para os quartos. De facto, o FC Porto não se limitou a lixar a vida a si próprio, também estendeu uma passadeira vermelha ao Benfica. E como no futebol europeu actual se vive o princípio denunciado por Marx de que o dinheiro gera dinheiro, um ano assim só torna mais difícil a recuperação no ano seguinte. Hoje em dia, perder o comboio da Champions é muito mais do que passar de primeira para segunda ou terceira classe.