De regresso aos tempos felizes do Sporting
Há quase 60 anos, vivia eu na Avenida da República, onde se apanhava um elétrico que partia do Rossio, subia as laterais das Avenidas da Liberdade e Fontes Pereira de Melo, percorriam a minha avenida, entravam no Campo Grande e desembocavam na Alameda das Linhas de Torres. Era aí que saía, pela mão do meu avô. O destino era o Estádio José de Alvalade que tinha sido inaugurado em 1956. Atravessávamos a Alameda e entrávamos (às vezes pela porta dos atletas, a mítica 10A), onde se via escrito o lema Esforço, Devoção, Dedicação e Glória - Eis o Sporting!.
Por uns corredores intrincados, íamos dar ao camarote principal. O meu avô, durante uns tempos, fora dos corpos sociais do clube (presidente da Comissão de Contencioso e Sindicância) e, depois, salvo erro, tinha um cargo na Associação de Futebol de Lisboa, que lhe dava acesso a estas mordomias. O camarote era aquele que tinha o símbolo olímpico e onde se sentavam as figuras gradas do Sporting e dos visitantes.
Outras vezes, não sabendo agora porquê, ficávamos na central e, então, o meu avô alugava duas almofadas (a bancada era de cimento) para ficarmos mais confortáveis. De passagem, posso dizer que as almofadas eram atiradas para o campo quando a equipa não jogava bem. No geral, assistíamos a excelentes partidas, com alegria e boa disposição no tempo em que o jogador que fizesse o primeiro golo do Sporting era premiado com um fato, ou mesmo com uma caixa de salsichas. Já não eram amadores, mas eram profissionais com pouco dinheiro e condições que, à vista de hoje, eram deploráveis. Quando jogavam bem, eram os próprios dirigentes que, por vezes, lhes davam dinheiro como prémio. Muitos foram nomes grandes do futebol português - o guarda-redes Carvalho, os defesas Pedro Gomes e Hilário; Pérides e Figueiredo, Osvaldo e Mascarenhas e ainda o Morais (cujo canto direto nos daria o único troféu europeu do futebol sénior, a Taça das Taças depois de uma finalíssima contra os húngaros do MTK). Curiosamente, a participação nessa Taça dos Vencedores das Taças foi conseguida depois de uma vitória por 4-0 sobre o V. Guimarães, no Estádio Nacional. O mesmo resultado que, desta vez em Guimarães, o Sporting conseguiu.
Era um gosto, e assim foi durante algum tempo, até o nosso clube começar a dar mais preocupações do que alegrias. Mas não sei se por sentimentalismo, se por ver de novo a satisfação em campo, lembrei-me desses tempos, dos trajetos de elétrico e até do velho Estádio, da Estância de Madeira, ali ao lado, que fora do Sporting, e depois do Benfica e de novo do Sporting, antes de Alvalade existir (não sou desse tempo, apenas sei pelas histórias que ouvi). Como me lembrei das Laranjina C com que acompanhava os mais velhos que bebiam cervejas nas mesmas cervejarias que por ali ainda estão, como Tipe-Tope, na rua António Stromp (mais crescidinho, já me deixavam beber uma lambreta, que era uma imperial em copo pequenino).
Lembro-me do esforço, da dedicação, da devoção e da glória. E tudo me vem à memória com o Sporting desta época, desde que Rúben Amorim curou a Covid que o atormentou.
Campanha alegre
Uma Campanha Alegre foi o nome que Eça de Queirós deu à compilação das suas crónicas escritas para As Farpas, estas em colaboração com Ramalho Ortigão. E uma campanha alegre, como a que se tem visto até aqui, é o que desejo para o Sporting. Há dois dias Bagão Félix fez nestas páginas, com a precisão de um economista (não estou a ser exato, estas contas estavam mesmo certas), uma simulação interessante: comparando os resultados desta época com os da época passada, mas tendo em conta os precisos clubes com que cada um jogou; verifica-se que o Sporting ganhou três pontos, o Benfica ainda ganhou um e o Porto perdeu cinco. É verdade, meu caro amigo, mas permita-me que lhe diga, a si e aos leitores, que o Sporting ganhou muito mais do que três pontos: ganhou uma equipa que dá confiança a quem a apoia, que joga com alegria, que é mais jovem do que nunca, que tem fome de marcar golos. E eu, sportinguista de sempre, digo sem medo: prefiro uma derrota quando a equipa joga bem, do que uma vitória com a equipa a jogar miseravelmente.
É por isso mesmo que, quando me falam de Keizer, que também ganhou muitos jogos seguidos, eu respondo: certo, mas a equipa era uma lástima e, na maior parte das vezes, se não fosse Bruno Fernandes (enquanto jogou no Sporting) a desgraça seria total.
A contratação de Rúben depois da experiência falhada de Silas (que, aliás, não se entendeu) levantou muitas dúvidas. A mim, inclusive, mas ou algo extraordinário acontece, ou foi a melhor contratação do Sporting, e de qualquer equipa portuguesa, nos últimos tempos. Quase sem gastar dinheiro, fizemos uma equipa que nos dá alegrias. E isto não significa, volto a sublinhar, que tenhamos condições para ganhar o campeonato, a Taça, e tudo o que vier pela frente. Nada disso! Apenas quer dizer algo muito mais simples: retomei o orgulho ao ver jogar aquela equipa, voltei a sentir-me contente com o jogo. Já não dou gritos do tipo anda-me com isso, ou corre, pá (e provavelmente outros menos publicáveis); temos uma equipa para jogar, respeitando os adversários, mas sem receio de nenhum deles. A vitória em Guimarães e no Estádio Nacional, contra o Sacavenense, revelou dois adversários de valia muito diferente, ambos por nós derrotados com o mesmo respeito e a mesma alegria. E a este propósito, deixem-me salientar que a Taça é pródiga em ações bonitas - da homenagem do Sacavenense a Palhinha, que lá deu os primeiros passos, até à cedência dos direitos televisivos que o Sporting endossou à equipa adversária, com tantas tradições, que agora está no Campeonato de Portugal.
Naturalmente, Rúben Amorim e esta equipa não estarão isentos de erros; tomarão opções erradas. Mas, além de eu não estar habilitado a apontá-lo, nem conhecedor do estado físico e anímico de cada jogador, é óbvio que acertam muitíssimo mais do que erram. É isso que esperamos de profissionais. De bons profissionais.
Ah! E que continuem com a campanha alegre, já no sábado, ao receberem o Moreirense. Mais quatro era lindo….
E ainda há carpideiras…
Mas atenção. No Sporting nunca está tudo bem. Ainda por aí se ouvem as carpideiras, de uma direção que acabou há mais de dois anos, insultar a torto e a direito quem não disser mal da equipa diretiva atual.
Mas o mais divertido é a indignação com o fim de duas claques. Dizem que sem elas o estádio fica apenas com velhos a dormir. Ó senhores, o Sporting ganha com alegria, entre outras coisas mais importantes, que acima refiro, também pelo facto de não ter aqueles assanhados de costas para o campo a mandar assobiar e insultar toda a gente, incluindo jogadores. Já esqueceram Alcochete? Valha-me Deus! Já aqui referi, e foi referido por outros comentadores - e bem - que a reviravolta de 0-1 para 3-1 em 15 minutos, frente ao Gil Vicente, há cerca de um mês, seria quase impossível com as bancadas a assobiar cada vez que um jogador desse um toque errado na bola, ou a perdesse. Esses senhores que, durante anos, se sentiram donos do clube, fazedores de heróis e de vítimas, é bom que percebam que os sócios estão contentes com o que veem agora. Basta encontrá-los, nestes tempos em que os encontros são tão difíceis, para ver que é o primeiro tema entre sportinguistas. Por isso, podem ficar em silêncio e ver a equipa jogar, trocar a bola, correr, avançar na direção da baliza contrária, com confiança e não como se estivessem num tribunal popular, formado por uns quantos cheios de bazófia. Que era o que tínhamos e, felizmente, acabou.