Das hipocrisias

OPINIÃO02.06.201901:17

Não sei se o Tartufo do Moliére, esse falso devoto de onde saltou a ideia de que não há nenhum pecado se pecar em silêncio - é a melhor imagem do hipócrita ou do dissimulado que a literatura tem, mas eu gosto mais do Teodorico Raposo do Eça. Que é quem (da duplicidade do seu ser à jacobice dos seus ardis) dá encanto a A Relíquia, esse notável romance que tem em epígrafe:
- Sobre a nudez forte da verdade - o manto diáfano da fantasia.
O pai era filho dum padre, a mãe morreu quando Teodorico nasceu, numa Sexta-Feira de Paixão, na Quinta do Mosteiro. O falecimento do pai arrastou-o para Lisboa - para casa de D. Patrocínio das Neves, católica fanática e muito rica. Num ápice se habituou a adulá-la, fingindo-se mais beato do que ela. Indo estudar para Coimbra, mais se lhe aguçaram os traços sombrios do caráter: ao fingimento e à sonsice, juntou-lhes Teodorico a cupidez da fortuna da tia e a lascívia do sexo em despudor. Uma vez formado,  D. Patrocínio ofereceu-lhe viagem à Terra Santa e de lá trouxe «relíquia para a Titi». Troca nos embrulhos levou-o à perdição: em vez da «coroa de espinho do Senhor» que carregara para impressioná-la, deu-lhe a caixa onde vinha a camisa de dormir da meretriz com quem se embrenhara em Alexandria. Foi o bastante para que D. Patrocínio das Neves o deserdasse e o afocinhasse na miséria.
Quando, enfim, descobriu que Negrão, padre da roda da tia (que também tivera por amante Adélia, a prostituta do bairro reles) lhe herdara a Quinta do Mosteiro, pensou, amolgado, que, na sua falsidade lhe faltara o «golpe de mestre»: o dizer à Titi que a camisa da meretriz era, sagrada, de Santa Maria Madalena:
- … e assim tudo se teria arranjado.
Por nada haver de Teodorico em Sérgio Conceição é que ele deixou Frederico Varandas de mão estendida, no Jamor. E dizer-se que o fez por «não saber perder» é mito (ou pior) porque, na volta da tribuna, não deixou de se desviar do caminho para ir cumprimentar Keizer (e estranho é não o terem mostrado...)