Das comparações

OPINIÃO02.08.202004:00

NA altura em que isso se fazia em quase fervor evangélico, a ideia largou-a o Miguel Angel Lotina: que comparar Ronaldo com Messi era «exercício de ignorância futebolística» - e era-o por uma simples razão:
- … não se saber que Messi é Messi e todos os demais são futebolistas, uns mais fantásticos que outros.
Não há muito, Valdano espalhou-o por A BOLA (em poético olhar ao jogo):
- Cada génio é exclusivo e pede as suas próprias metáforas. Para Maradonaa bola era como um instrumento musical, a que ele arrancava respostas artísticas. Para Messi, a bola é uma ferramenta sem qualquer outra pretensão além da eficácia. Nem o serrote do carpinteiro nem a enxada do jardineiro, antes os utensílios de ourives do joalheiro para a perfeição milimétrica do seu jogo.
Claro, eu sei que alargar a comparação a Bruno Fernandes pode ser ainda pior «exercício de ignorância futebolística» - mas vendo o que fez e vai fazendo no Manchester United, atrevo-me a dizê-lo: no Bruno há, cada vez mais, bocadinhos de Messi: quando tem a soltar-se-lhe dos pés (que dão ao  jogo destinos melhores) a precisão dum algoritmo e a acutilância dum bisturi. Quando rompe com a rotineirice em que a equipa tropeça, trabalhando como um operário para recuperar a bola, funcionando como artista para com ela no pé (e na cabeça) a descobrir num desequilíbrio ou numa brecha a forma de transformar becos sem saída em linhas de horizonte - pondo-lhe baliza mais perto, golo mais à mão.
Talvez seja ainda pior «exercício de ignorância futebolística» mas vou atrevo-me a dizê-lo, também: Bruno Fernandes é capaz de ser de momento o melhor jogador português. Porque ser melhor jogador não é marcar mais golos, é pôr à Messi a equipa a jogar melhor (e mais perto de os marcar) - e é, sobretudo, não deixar de ter, na ponta das chuteiras, no seu espírito e no caráter do seu jogo, aqueles olhos que na estrofe do poema do Mário Dionísio mais interessam: os olhos que vêem para além do que se vê…