Da taremice
O que os penáltis de Taremi têm a ver com os passes de letra (e a Mão de Deus...)
Meu caro Mehdi Taremi:
NÃO sei se sabe, mas, nos primeiros tempos do FC Porto campeão, havia, entre a equipa, estrela a brilhar acima de qualquer outra: o Pinga. Ao deixar de jogar, algures por 1946, Júlio Pedrosa apanhou-lhe o desabafo:
– O mal do futebol se ter tornado um desporto popular é que qualquer um pode falar dele, assumindo-se como seu grande conhecedor, dizendo, porém, as maiores parvoíces a seu respeito…
Não imaginava, certamente, que o tempo trouxesse na correnteza da sua volúpia (e das suas paixonites) ainda pior do que adeptos assim - diretores de comunicação (que são, acima de tudo, detratores de comunicação). Mas não: não é do que li e ouvi (de uns e de outros) a propósito do FC Porto-Portimonense que lhe vou falar. Não, também não é do que li e ouvi (de uns e de outros) a propósito de si achando-o «enganador» ou «farsante», «manhoso» ou «insidioso», «encantador de serpentes» ou «ator de Hollywood) - nem é do Manuel Fernandes ou do Jordão, do Fernando Chalana ou do Paulo Futre... - é do Bichi Borghi. Esse mesmo: um dos jogadores da Argentina que Maradona levou à vitória no Mundial de 1986 (através da Mão de Deus). O Borghi era especialista em passes de letra (de facto) e, certa vez, decidiu desmistificá-lo, pondo-lhe, enleante, toque de poesia:
– Fazer um passe de letra não é um luxo nem é uma demonstração de qualidade - é simplesmente o declarar que a outra perna não serve para nada…
e esse é o dom (puxado da sua esperteza) que eu vejo (metafórico) em si: ter sempre à mão uma perna que parece que não lhe vai servir para nada e lhe dá a possibilidade de fazer um passe de letra (mesmo não sendo um passe de letra) que mude o destino a um jogo - num golo ou num penálti. O dom de saber jogar com o corpo (e com a cabeça) que faz com que os seus penáltis (mesmo que «tecnológicos» ou de VAR) raramente sejam as simulações que se imaginavam (e se insinuam das névoas da taremice...)