Da falta de noção
As meias-finais da Allianz Cup já lá vão. A esta distância (cerca de uma semana depois), penso que seria produtivo arriscar uma análise mais fria e pragmática a tudo o que se viu, ouviu e leu. Estou convencido que isso pode ser um exercício interessante, um apelo à reflexão. Porque é importante que se reflita. Há, de facto, um longo caminho a percorrer para que possamos, todos, estarmos ao nível daquilo que o futebol português merece. Vamos a isso?
1 - As arbitragens das duas meias-finais foram muito infelizes. A da final, por outro lado, foi excelente. Nos primeiros dois encontros foram cometidos erros relevantes (com mais do que provável influência no resultado final). Erros que a tecnologia podia e devia ter ajudado a evitar, a combater, a anular. Há várias conclusões a retirar nessa matéria, nomeadamente no que diz respeito à coerência das atuações, à sensibilidade para a função e à coragem/determinação no processo de decisão.
2 - Os clubes e os seus mais diretos agentes têm todo o direito à crítica. Têm direito à indignação, à revolta e ao desalento. E devem expressá-lo publicamente, na defesa dos seus interesses e na defesa daquela que entendem ser a verdade desportiva. Devem fazê-lo, no entanto, com a máxima elevação, ainda que todos percebamos a dificuldade emocional que isso possa exigir.
3 - Muito do que ouvimos naqueles dias ultrapassou todos os limites. Não se pode nem deve confundir incompetência momentânea com premeditação no erro. Não se pode sugerir, direta ou indiretamente, que há arbitragens que favorecem deliberadamente uns, para prejudicar ostensivamente outros. Não é justo nem é verdade. Não é bonito. A linha que separa a discordância da injúria é muito ténue e a sua separação cabe a quem escolhe falar publicamente. Convém que nunca nos esqueçamos do impacto que as palavras têm junto dos outros. é grande e nalguns casos inimaginável. É capaz de gerar admiração ou raiva. De contribuir para pacificação ou para a confusão. No futebol, jogo de fortes emoções, a tolerância deve ser grande, mas tem que haver limites. Não pode valer tudo.
4 - As manifestações de desagrado, de pesar e de revolta surgiram um pouco por todo o lado, não fosse o futebol o assunto mais discutido em Portugal. As redes sociais inundaram-se de imagens e posts. Toda a gente entendeu falar, criticar, analisar. Toda a gente gozou, ironizou, ridicularizou. Faz parte. A reboque das arbitragens e das peripécias da bola, o povo fez o que tantas vezes precisa e merece: explodiu. E, convenhamos, o adepto comum, o adepto que paga e sofre, o adepto que sente e fica doente, tem direito a (quase) tudo. Pode barafustar e reclamar, pode gritar e criticar. É compreensível, é aceitável, é normal.
5 - O que não faz parte (nem pode fazer) são as manifestações públicas de pessoas que, por força dos cargos que ocupam, jamais poderiam pronunciar-se sobre arbitragens e erros, sobre prejuízos e benefícios. Há quem não possa dizer publicamente o que pensa em privado. Nunca. Em momento algum. Ao fazê-lo, estão a mostrar ao povo, ao país e a toda a gente, que são incapazes de exercer as suas funções com a neutralidade e equidistância que se espera. Há quem não tenha noção de como se descredibiliza aos olhos dos outros (mesmo daqueles que, pontualmente, aplaudem a frontalidade e coragem). A falta de ética pode não ser crime mas, nalguns casos, assume contornos semelhantes. É feia. Muito feia. Quem não resiste, publicamente, à tentação de ser adepto fervoroso, não pode ser árbitro, jornalista, secretário de Estado ou presidente de uma Associação de Futebol. Não pode nem deve.
É preciso ter noção. É preciso ter vergonha, aprender com o escaldão e não voltar a repetir a gracinha. E é preciso mostrar a quem está deste lado que estamos entregues a pessoas idóneas, capazes de separar o pessoal do institucional, o privado do profissional. Não transformemos isto numa República das Bananas.