Crónica do interior que sente

OPINIÃO25.11.201803:00

1. Ontem, com a chuva a cair sob o bonito parque do Fontelo, o Sporting teve de acelerar na segunda parte para vencer, clara e categoricamente, o Lusitano de Vildemoinhos. Mas o que fica é a alegria de uma comunidade, a dignidade de um conjunto de jogadores e a convicção de um abnegado grupo de dirigentes que tudo fazem para que o centenário Lusitano continue a ser uma referência desportiva no concelho de Viseu. Sabemos bem que ontem a distância era imensa: um orçamento de 300 mil euros face a um outro de quase 70 milhões. E, no fim, ganhou, com mérito, e no primeiro jogo oficial do seu novo treinador - Marcel  Keizer -, o Sporting, aliás bem animado com o êxito do empréstimo obrigacionista. O que traduz uma vitória - que vivamente cumprimento - de Frederico Varandas e da sua equipa. É que, apesar das vozes que se escutaram e das desconfianças que se manifestaram, o empréstimo, nas atuais condições, é sinal de confiança e, também, manifestação de alento para um dos clubes de referência de Portugal. E, aqui, quero ser, de propósito, e em consciência, politicamente incorreto!  

2. Nasci em Viseu. No mesmo berço se nasce e se morre. A saudosa Senhora Minha Mãe repousa, em paz, ali bem perto do centro de Vildemoinhos, no cemitério de São Salvador. Desci muitas vezes de Viseu, da Meia Laranja ao Campo dos Trambelhos. Ouvia falar, e muito, o Senhor meu Pai com o também saudoso Senhor Pires - nosso vizinho - do seu Lusitano. E o Senhor meu Pai do seu Viseu e Benfica, sem esquecer, diga-se, o Académico que tem o nome da nossa cidade natal. Da nossa terra de Viriato. Depois, em diferentes momentos, e com a cidade a crescer e a agarrar-se a Vildemoinhos, revi o campo do Lusitano, molhei-me no Fontelo, elaborei os primeiros estatutos de uma SAD para o Académico e representei, na Federação Portuguesa de Futebol, a Associação de Futebol de Viseu. Senti o que era, de verdade, o interior de Portugal. Percebi como o Presidente da República, António José de Almeida, que «dizer Beira - e refiro-me a Beira una e indivisível - é o mesmo que dizer o coração de Portugal». Aprendi, de menino e também moço, a saber o que era a distância entre Lisboa e Viseu, a perceber o que era o interior e a força das suas gentes e a ler e reler muitas e lúcidas referências acerca das necessidades e das angústias deste naco de Portugal que sabe o que é lutar, sem necessitar de manifestos, contra formidáveis obstáculos e, também, contra a pseudossabedoria que pouco aporta de útil para estas terras. E assumindo a rutura com uma rotina que nos perturba, permitam-me que, neste jornal de referência e também de resistência, sublinhe a conquista de uma estrela Michelin pelo restaurante G, ali na Pousada de São Bartolomeu em Bragança. A Família Geadas - aqui falada há poucas semanas - está de parabéns. O Chef Óscar - e seu irmão António - ganharam uma verdadeira Liga dos Campeões. E Bragança mostrou que no interior há valor, há competência, há excelência. Se repararem, o interior de Portugal tem apenas três restaurantes reconhecidos pelo Michelin: este G, o Largo do Paço, em Amarante, e o L´And Hotel, em Montemor-o-Novo. E no futebol tem duas marcas na Liga NOS, o Chaves e o Tondela, e outras duas na Liga 2, o Covilhã e o Académico de Viseu. O resto é a efetiva concentração no litoral, de Guimarães ao Algarve, sem esquecer a específica realidade que são as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores. Daí se saudar esta estrela em Bragança - e no Restaurante G, de Geadas, - a participação do Lusitano ontem, e hoje a presença da Taça de Portugal em Montalegre, na Covilhã e em Tondela. E com a consciência que a RTP e a Sport TV continuam a privilegiar os jogos de Benfica, Sporting, Futebol Clube do Porto e Sporting de Braga para as suas transmissões televisivas nestas eliminatórias da Taça de todo o futebol. Diz-se que é, e bem, a prova rainha, mas bem poderia haver alguma flexibilidade nos específicos direitos televisivos e proporcionar que um Montalegre-Águeda ou um Paços de Ferreira-Casa Pia (boa sorte Rúben Amorim!) tivessem uma ousada e sugestiva transmissão televisiva. Seria uma forma, nestes tempos de múltiplas mudanças e de ousadas novidades, de dar um sinal a canais que resistem e que merecem concretos apoios. Também, aqui, há um novo interior que não pode ser esquecido nem pode deixar de ser apoiado. Mesmo que esta seja, assumo-o, também, uma opinião politicamente incorreta. Mas para quem demorava doze horas para ir e vir de Viseu a Lisboa, tudo é permitido. E com a razão que ninguém terá a ousadia de desmentir! Não terá mesmo!

3. Na próxima terça-feira, em Munique, o Benfica joga, em termos de continuidade na Liga dos Campões, uma verdadeira final.  O que é perturbante é que o Bayern, este Bayern em verdadeira crise de resultados, - como o empate de ontem face ao Fortuna Dusseldorf evidencia -, também necessita de se reconciliar com os seus adeptos. É um jogo bem complexo para as duas equipas. Uma e outra em crise de resultados e em défice exibicional. Uma e outra com quebras de confiança com os seus fiéis associados. Uma e outra a precisarem de resultados que restaurem a confiança, diria que a sua autoestima. Uma e outra com discursos que nos recordam as palavras de Elsie Lessa, quando procurava evidenciar a mudança: «Sou do tempo em que todo o frigorífico era branco e todo o telefone era preto».  E nestes tempos de múltiplas e cromadas cores, voltamos à Grécia antiga com a certeza, a certeza mesmo, que «sem entusiasmo não pode alcançar-se o desconhecido»! E o que é importante, desde logo para o Benfica, é suscitar - diria que ressuscitar - o entusiasmo. E Munique - naquele majestoso estádio e naquela atrativa cidade - pode (deve) ser o espaço e o dia para, com exibição categórica, este Benfica mostrar que a Europa, esta Europa do futebol em revisão, pode (deve) continuar a contar com a equipa de Rui Costa e Luisão, de Pizzi e Rafa, de Jonas e Salvio, de Rúben Dias e Seferovic, entre tantos outros. De maneira a que, na noite de terça-feira, haja sorriso e alegria, comoção e motivação. Para um dezembro sem sobressaltos interiores. Também aqui há sempre um interior que sente e resiste!