Cristiano a dormir com o inimigo?

OPINIÃO24.12.202205:30

Escolher a Arábia Saudita para organizar o Mundial de 2030 seria a derrocada final da credibilidade da Fifa e de todos os seus membros

HÁ ainda muitas informações contraditórias quanto à possibilidade real de Cristiano Ronaldo assinar um contrato milhonário com o Al-Nassr da Arábia Saudita. A mais evidente é que refere uma hipotética missão de embaixador dos sauditas para ajudar uma eventual candidatura conjunta desse país com o Egipto e a Grécia ao Mundial de 2030, o que colocaria Cristiano Ronaldo em rota direta de colisão com os interesses de Portugal que tem anunciada uma candidatura com a Espanha e a Ucrânia à organização do  mesmo Campeonato do Mundo.

Vistas coisas desta forma simples, como nos é transmitida pela imprensa desportiva espanhola, tratar-se-ia apenas de uma oportunidade (das poucas que eventualmente Cristiano terá nesta altura) aproveitada para aumentar o seu império financeiro, não se importando, assim, de dormir com o inimigo, sabe-se lá se por desgosto ou retaliação neste modo de afrontar diretamente os interesses do país que ao longo de tantos anos tão bem serviu como futebolista de dimensão universal.
 

Ronaldo tem oferta de clube saudita


Mas pensemos um pouco no assunto, o que eu sei que não está na moda e requer algum esforço mental, mas pode valer a pena. A decisão do nome do(s) organizador(es) do Mundial de 2030 será oficialmente tomada e anunciada pela FIFA no ano de 2024 e o que estaria previsto é que Cristiano jogasse no Al-Nassr até 2025 e só depois assumisse as funções de embaixador do país para o Mundial. Não bate certo. Se a decisão será tomada em 2024 (dentro de dois anos) só faria sentido Cristiano ser embaixador da Arábia Saudita, a partir de 2025, para o Mundial de 2030, se essa já fosse uma candidatura vencedora e, assim, a questão de confrontar os interesses portugueses deixaria de fazer sentido. Por outro lado, nem se sabe se haverá candidatura árabe. Para acontecer, seria preciso alterar os estatutos que regulamentam a organização do Mundial e não prevêem que uma prova desta natureza e dimensão seja acolhida por países de três continentes. Podem-se mudar as regras a meio do jogo? Bom, já não seria surpresa que o dinheiro mais uma vez provasse que pode tudo. Mesmo assim, decidir em apenas dois anos um Mundial inédito organizado por países sem experiência e sem qualquer tipo de afinidade, cultural, geográfica, social seria escandaloso. Para não juntarmos a estas legítimas interrogações o facto de a Arábia Saudita não perder, em nada, para o Catar na questão do reconhecimento internacional de que o país fere gravemente os mais elementares direitos humanos, de ainda estar na memória, pelo menos daqueles que ainda a têm, a noticiada participação saudita no assassinato do jornalista do Washington Post, Jamal Khashoggi, em 2018, e de ser inadmissível que o Médio Oriente viesse a acolher, apenas pela sua condição de riqueza colossal, dois Mundiais em apenas oito anos. Isto significaria a derrocada final no edifício de credibilidade da FIFA e, mais do que isso, na dignidade pessoal dos seus membros.

De outra natureza será a questão da contratação de Cristiano Ronaldo para fechar numa banheira forrada a ouro o seu incrível ciclo de vida como futebolista. Se Cristiano, aparentemente, de costas voltadas para Portugal e para o Mundo não puder ter a saída gloriosa que merece, esta é, pelo menos, uma oportunidade que o poderá satisfazer, porque representa, apesar de tudo, uma escolha que o mundo inteiro reconhece como aceitável: trocar a alegria e a pressão dos grandes jogos e dos grandes clubes pelo pragmatismo do poder do dinheiro. Outra escolha, essa mais íntima e mais decisiva, é a dos amigos que, nesta fase da vida, o podem mesmo ajudar. 
 

DENTRO DA ÁREA – BENFICA RESISTE A 100 MILHÕES 

Faz bem o Benfica em renunciar uma proposta tão tentadora por Enzo? Cem milhões por um médio? Penso que sim. Tendo em conta que se está apenas a 20 milhões da cláusula de rescisão, não faria qualquer sentido fazer um desconto de Natal por um dos jogadores atualmente mais cobiçados no mundo. Além de que Rui Costa sabe bem que tem ainda pela frente um ano desportivamente difícil. A equipa leva oito pontos de avanço no Campeonato, mas isso elevou - e de que maneira - a fasquia das expectativas dos benfiquistas.  
 

FORA DA ÁREA – O NATAL DOS PAÍSES TRISTES

Será certamente um Natal trágico para as famílias ucranianas. A guerra destruiu-lhes o país, o bem-estar, as emoções, enfim, a vida. Pior para os que ainda resistem em solo ucraniano, mas não muito melhor para aqueles que saíram e que deixaram família e amigos. A guerra é inclemente e enquanto existir não se pode falar numa civilização inteligente. O mesmo se poderá dizer da pobreza e, nesse particular, Portugal continuará a ser um país ingrato para milhões de portugueses. Como dizia Bagão Félix é tempo de olhar para além de amanhã.