Como olhar para o e-toupeira?
Há várias formas de olhar para a decisão, definitiva, do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o caso e-toupeira. Depende, como nisto das opiniões quase tudo sempre depende, dos olhos de quem a analisa. Haverá os benfiquistas que para ela olham como uma vitória total, a prova inequívoca de que tudo não passou de uma cabala contra o Benfica, pensada e armada pelos rivais que não olham a meios para derrotar, nem que seja nos tribunais, um clube que não conseguem bater nos relvados. É normal.
Haverá também os benfiquistas que, embora suspirando de alívio, não conseguem celebrar a decisão do juiz Rui Teixeira como um triunfo absoluto. Ou os que, pelo menos, terão vergonha de a festejar como tal. É normal.
Haverá, depois, todos os que não sendo benfiquistas olham para o facto de a SAD encarnada não se sentar sequer no banco dos réus como uma prova de que vivemos, a nível desportivo, na República do Benfiquistão, como se um clube pudesse, afinal, ter tanto poder que governos e juízes tivessem, de facto, medo de enfrentá-lo. É, também, normal.
Haverá, ainda, os que para esta decisão olham com a indiferença própria de quem, tendo já visto tantos porcos a andar de bicicleta, acreditam em tudo e de nada querem saber. É, infelizmente, normal.
E haverá, depois, aqueles que, despindo camisolas e apesar de nada os conseguir surpreender ainda se preocupam, para ela olham como a evidência de que algo vai, de facto, muito mal na justiça em Portugal. Ver um juiz arrasar de forma tão violenta o trabalho da investigação do Ministério Público é, no mínimo, desconfortável. Pensar que alguém que devia ser responsável assume a decisão de tentar levar um cidadão, ou uma instituição, a julgamento sem que contra ele tenha conseguido reunir uma única prova irrefutável, baseando-se apenas «numa série de presunções» - é isso que lhe chama o acórdão - é preocupante. Não é normal. Ou, pelo menos, não devia sê-lo.
Dito isto: vitória total do Benfica? Sabendo-se o que se sabe hoje é impossível olhar para as coisas de forma tão inocente. Porque uma coisa é o Ministério Público não conseguir provar, como devia ter feito antes de tudo o resto, que os responsáveis da SAD encarnada tinham conhecimento das ações apontadas a Paulo Gonçalves. Outra, muito diferente por muito que a muitos custe entender, é acreditar que ninguém na estrutura do Benfica delas sabia. Ou que Paulo Gonçalves era um mero empregado da Benfica SAD, um funcionário que precisava de mostrar serviço a quem nela manda.
Olhemos para esta decisão, portanto, apenas como uma humilhante derrota para quem devia zelar pela justiça em Portugal, que sai, olhe-se para este famigerado e-toupeira pelo prisma que se queira olhar, muito fragilizada. E, convenhamos, ninguém sai a ganhar com isso.
Jorge Jesus tem o Maracanã aos seus pés. Nada que nos deva surpreender a nós, mesmo que possa ser surpreendente para alguns analistas brasileiros que continuam a achar que nasceram no outro lado do Atlântico os únicos que verdadeiramente percebem de futebol. Jesus, goste-se ou não do feitio, aprecie-se ou não a personalidade, é um dos grandes treinadores portugueses. Um dos melhores da atualidade e, provavelmente, da história do futebol luso. O que está a fazer no Flamengo não deve, ainda assim, ser visto como normal, como se Jesus estivesse, apenas, a aproveitar o palco de um campeonato menor. No Brasil estão, ou por lá já passaram, treinadores altamente consagrados que não tiveram sucesso. Não sei se o Mengão conseguirá ou não ser campeão. Mas sei que Jesus fez no Flamengo o que fez em todas as equipas por onde passou, colocando a equipa a jogar o dobro. É muito por isso, e não tanto pelos títulos, que jogadores e adeptos dele nunca se esquecem.