Como dizia o Chico Buarque… a coisa aqui está preta!

OPINIÃO15.08.201904:00

Imagino que alguns (ou muitos) adeptos do Benfica rejubilem com a fase por que estão a passar os seus dois principais competidores (se insistirmos, eventualmente mal, em considerar o Braga fora das contas). Porém não será a atitude mais inteligente de um benfiquista. Conheço alguns que se preocupam com esta desproporção. Sendo a equipa da Luz a única a ter acesso à Liga milionária dos Campeões, essa desproporção no campeonato português tende a aumentar. Claro que a culpa não é do Benfica (a menos que tenha conseguido chegar onde chegou através das manhas, golpes e ilegalidades de que se fala).

O problema, sendo essencialmente dos clubes que vão ficando para trás, é em grande parte do sistema que se criou no futebol europeu e internacional. O fosso entre quem vai à Liga dos Campeões e os outros é enorme. Mesmo para aqueles que terão lugar na Liga Europa e que ainda podem ser quatro.

O problema essencial é o da desvalorização da Liga Portuguesa e, por essa via, de todos os clubes portugueses. Quanto menos competitiva for a Liga, quanto mais ela for desigual, desequilibrada, menos se valorizará qualquer jogador português. Os clubes de formação conseguirão preços piores pelos seus talentos, que partem ainda adolescentes para clubes maiores. Esta é uma lei que pode ser injusta, mas que impera. Se as equipas de um país não são prestigiadas, se o campeonato não é competitivo, perdem todos. A bem dizer, quem se importa com um jogador austríaco ou dinamarquês, caso ele não tenha brilhado numa liga forte? Quem sabe a real valia de um excelente jogador albanês, caso ele jamais tenha a oportunidade de se mostrar num campeonato importante?

Naturalmente, por muito que tenhamos vindo a baixar, não chegámos ao ponto da Albânia nem da Áustria. Somos campeões da Europa em seleções e vencemos a Liga das Nações UEFA este ano. Porém, os jogadores da nossa seleção, salvo raras exceções, que tendem a seguir o caminho dos outros, exercem o seu talento noutros campeonatos e este facto, não sendo alarmante, é um sinal.

Combater ou promover a desigualdade?

Oabismo cada vez mais largo e fundo entre as receitas de quem está na Liga dos Campeões e de quem não está só pode ter duas soluções quase opostas. Uma, será impor limites aos gastos dos clubes. Tarefa quase impossível, quando se sabe que em Portugal (e na maioria dos países europeus) nem transparência absoluta existe sobre os investidores dos clubes, ou quando os passes dos jogadores já são de várias entidades, algumas delas fundos cuja origem nem se conhece bem. A outra, será criar uma Superliga Europeia e remeter os campeonatos nacionais para uma espécie de II Divisão. Penso que os astros se alinham neste sentido. A Portugal vêm buscar um clube (que neste momento seria o Benfica), a Espanha dois ou três, e o mesmo por esses países mais fortes, com a Holanda, a Dinamarca e mais uns países a ficarem como Portugal. Se essa Superliga tiver 20 equipas passa a ser o grande negócio das televisões e da UEFA.

As ligas nacionais ficariam para os outros clubes e talvez houvesse a possibilidade de os vencedores dessas ligas poderem disputar entre eles a ascensão à Superliga, caso os últimos desta baixassem às ligas nacionais.

A ser assim teríamos a institucionalização do fosso. Um grupo equilibrado, competitivo e muito rentável entre aqueles que se defrontam numa Superliga, com riscos de despromoção apenas para alguns clubes de alguns países, mas sem nenhum para os grandes tubarões que teriam sempre assegurada a permanência. Neste modelo haveria ainda a hipótese de haver uma espécie de segunda liga europeia, ou segunda Superliga, por onde vegetariam mais uns clubes; ou umas provas semelhantes às atuais Liga Europa e Liga dos Campeões, ou seja, com fase de grupos e fase a eliminar e menos jogos, mas com uma espécie de final four por onde se ascenderia à tal Superliga, bem como da Liga Europa à dos Campeões. Enfim… seria o modo de dar cabo das ligas nacionais em importância sob todos os aspetos: competição, audiência e espectadores.  

Como é possível?

Um clube que ganha 1-0 em Krasnodar, onde Judas perdeu as botas, chega a casa, ao Porto, ao Estádio do Dragão perante um público entusiasmado e leva três golos. Ainda consegue marcar dois, mas não consegue o empate que o salvava. Fica, assim, pelo caminho. Já expliquei porque não me agrada.

Passando para o Sporting, também não me agrada nada (já aqui o escrevi) levar cinco do Benfica e, depois, no Funchal, contra o Marítimo, não conseguir mais do que um pífio empate, que podia ter sido uma derrota. Não se entende. Nem as escolhas de Keizer, nem a passividade da equipa, nem as fífias da defesa e a ausência de meio-campo, para não falar na ineficácia do ataque.

Como não se entende (como bem escreveu Vítor Serpa no editorial deste jornal) que Bruno Fernandes ande neste jogo do vende-não-vende. Bruno Fernandes é, de facto, um diamante numa casa de remediados, como escreveu o diretor deste jornal, e talvez a dificuldade em vendê-lo seja já uma consequência do fosso criado.  O Sporting pode estar já a sofrer a insignificância a que se tem resumido nos últimos anos, condição essa agravada pela queda das equipas do futebol português, pese a goleada do Guimarães contra o Ventspils na 3ª pré-eliminatória da Liga Europa e as boas perspetivas que, também, o Braga tem hoje, face ao Brondby.

A verdade é esta: vemos um jogo em Portugal e, salvo raras exceções, parece que estamos a ver a Liga inglesa ou espanhola em câmara lenta e com mais passes falhados. Mesmo o Benfica, que leva em jogos oficiais um score de 10-0 (cinco ao Sporting e cinco ao Paços de Ferreira) não faz jogos por aí além. Como escreveu aqui ontem Gonçalo Guimarães, o clube ainda entra em crise se ganhar por 1-0. Porém, a verdade é que tanto num jogo como noutro o resultado do clube da Luz esteve acima da exibição.

Este fim de semana, veremos o que se passa com o Benfica no jogo fora com o Belenenses SAD (clube com o qual fez sempre maus resultados), com o Porto a receber o Setúbal e, sobretudo com o Sporting a receber o Braga (os jogos do Porto e do Sporting são à noite, o que é, de facto, lamentável para quem defende o futebol como desporto de família; sobretudo o Sporting, que é domingo, véspera de um dia de trabalho).

Qualquer deslize do Sporting será terrível. Um do Porto será mesmo fatal. E caso ambos vençam e o Benfica também, este terá, logo à segunda jornada dois pontos a mais do que o Sporting e três do que Porto e Braga.

Não há dúvida de que, como cantava Chico Buarque em Meu Caro Amigo, «A coisa aqui está preta». Ou parece, talvez ainda seja cedo para tantas conclusões.