Como avaliar um avançado?
Pega-se no valor que custou, divide-se pelos golos que marcou e está feito. É tão fácil que facilmente se percebe a injustiça da coisa
COSTUMA dizer-se que o guarda-redes é a posição mais ingrata numa equipa de futebol. Porque pode ter 90 minutos de inspiração, fazer defesas do outro mundo, mas basta um segundo de desconcentração para estragar tudo: de um frango todos se lembram, provavelmente durante anos a fio, uma grande defesa (ou duas, ou três, ou quatro) rapidamente cai no esquecimento; porque, costumam também dizer, numa derrota todos se lembram do golo sofrido mas ninguém se lembra dos golos falhados pelos avançados. São capazes de ter razão. Talvez seja por isso que aprendemos desde miúdos que para se ser guarda-redes é preciso ser um bocadinho maluco, mais pelo facto, se calhar, de andarem sempre todos rasgados por serem os únicos com coragem suficiente para se atirarem, de livre vontade, para o chão quando todos os outros só pedem para não cair - quem sempre jogou em relvados, naturais ou sintéticos, é capaz de não perceber a ideia, mas os que passaram horas e horas a jogar em pelados ou alcatrão sabem, como dizia o outro, do que eu estou a falar. Por isso sim, por uma razão ou por outra - ou talvez pelas duas juntas e mais algumas - a posição de guarda-redes é capaz de ser a mais ingrata numa equipa de futebol.
Não devemos, ainda assim, desprezar outra que, não sendo tão ingrata, é, porventura, mais inglória pelo escrutínio a que está sujeita: a de avançado. Ou ponta de lança, para distingui-la de extremos e médios-ofensivos que agora também contam como avançados. Para simplificar: a de número 9. Porque se ninguém se lembra dos golos que falha numa derrota, em especial se essa derrota surgir com um erro do guarda-redes, também ninguém se lembra do que um avançado trabalha para a equipa. Quantos quilómetros corre, quantos passes acerta, nem sequer quantas vezes assiste para que outro companheiro marque. Não. num avançado só contam os golos. E quando um avançado não marca, é fácil fazer contas: divide-se o valor que custou pelo número de golos que marcou e chega-se à brilhante conclusão de que cada golo custou X. Fácil, não é? É. E injusto também.
PAULINHO é um desses casos. Contratado em janeiro ao SC Braga por 16 milhões de euros por indicação expressa de Rúben Amorim, marcou, até agora, cinco golos. Para os mais críticos - e é fácil criticar um avançado que marca pouco - as contas são, portanto, muito fáceis de fazer: cada golo de Paulinho custou até ao momento ao Sporting 3,2 milhões de euros. Caro, portanto. O problema é que para um treinador de futebol, ao contrário do que acontece com o adepto comum, não é só o golo que conta. Às vezes pode parecer que Rúben Amorim está, apenas por não querer dar o braço a torcer, a arranjar argumentos para defender uma aposta que foi sua. Mas não: acredito que mais do que os golos que Paulinha marca, Rúben Amorim olhe para o que ele corre, para o que luta, para os passes que acerta, até pelo espaço que abre para, mesmo sem tocar na bola, outro companheiro concretize. E esses pormenores, como em todas as outras posições, não são contabilizados. Inglório, certo?
Darwin, no Benfica, é outro desses casos. Dizem que este ano está mais solto porque o investimento feito noutros jogadores lhe tirou dos ombros o peso dos 24 milhões que o Benfica por ele pagou. Na Luz já marcou 18 golos - cada um, até ao momento, custou aos encarnados €1,3 milhões. Fácil, não é? Mas se lhes juntarmos as assistências, os quilómetros percorridos ou o espaço que abriu para outros marcarem a dívida amortiza-se.
Não estou a dizer que Paulinho e Darwin são craques. Ou dos melhores avançados do mundo. Apenas que avaliá-los apenas pelos golos que marcam é demasiado fácil. Tão fácil que é fácil perceber a injustiça da coisa...