Comentadores desportivos

OPINIÃO04.12.201803:00

Tive o prazer de participar recentemente num Curso de Formação sobre Narração e Comentário no Futebol, organizado pela Federação Portuguesa de Futebol. Os destinatários foram profissionais da comunicação social e o objetivo da sessão foi a partilha de experiências, sob os pontos de vista de vários agentes do jogo. No fundo, a grande questão era a de se saber que know how podem quatro intervenientes do futebol acrescentar à opinião pública? Fará sentido que (ex) árbitros, jogadores, treinadores e jornalistas desempenhem a função de comentar? Em que moldes? Em que contexto? E em que termos?


Para a discussão, André Seabra - um dos mentores da iniciativa e grande impulsionador destas ações - convidou, além deste humilde cronista, um ex-atleta (Pedro Barbosa), um técnico (Carlos Carvalhal) e um jornalista (Nuno Madureira). É certo que esta figura, emergente não apenas no cenário futebolístico, não está regulada e, por isso, não está sujeita ao código deontológico que vincula profissionais com carteira, mas deve na mesma reger-se por determinados valores morais. Deve saber conduzir a sua intervenção por uma conduta irrepreensível. Exemplar. Neutral. Foi também isso que ali se discutiu. Ainda que com experiência (muito) curta nestas andanças, diria que - à exceção dos formatos que promovem a discussão emocional do adepto (em que três convidados assumem a sua simpatia clubística e defendem intransigentemente o seu emblema) - os comentadores devem ter sentido de responsabilidade, porque são formadores de opinião. Há, em cada formato, muitos milhares de pessoas a ouvir o que cada um tem para dizer.


Outra das características que me parece fundamental é a necessidade de se conhecer, minimamente, as leis de jogo. Quando se opina sobre futebol ou sobre os seus intervenientes, é importante que se esteja a par das regras que o regulam. Fará sentido omitir opinião sobre algo cuja verdadeira essência e espírito  desconhecemos?


Nas restantes competências, profissionais e pessoais, penso que se espera do comentador o mesmo que se espera de uma pessoa decente: independência de opinião (ainda que essa colida com a da maioria, com a de certos grupos ou correntes); capacidade crítica (refletir, opinar, falar de acertos e erros sim, mas apontando soluções, indicando caminhos, sempre de forma didática e construtiva); frontalidade (discurso genuíno e sincero, sem arrogância, sem vaidade ou ironia); perspicácia (orientar o discurso para aquilo que mais capta o interesse e atenção das pessoas). Por último, aquilo a que chamo de sentido de atualidade: a capacidade de falar do que é pertinente. Daquilo que a, dado momento, é mais relevante e oportuno.


No meio de tanta premissa, duas últimas me parecem fundamentais: falar apenas do que sabemos (deixar que os outros falem do que dominam) e ter a grandeza de reconhecer o erro. Retificar uma posição, uma opinião anterior, não é humilhação, é humildade. São conceitos substancialmente diferentes e que fazem aqui toda a diferença. Como alguém disse um dia, o povo não é estúpido e consegue distinguir, à distância, a genuinidade de tudo o resto. Pela sua importância crescente, o comentador desportivo pode hoje desempenhar papel fundamental na construção de um jogo valorizado, apelativo e aglutinador. Pode... e deve.