Clubes e SAD’s. Solução ou problema?

OPINIÃO21.07.202004:00

NÃO gosto de falar publicamente de assuntos que não domino. Acho arriscado e sei que da opção podem nascer inverdades ou rumores desnecessários. É por isso que deixo o seguinte spoiler alert: a opinião que se segue é pessoal. Reflete o ponto de vista de alguém que conhece o futebol português e que, tal como tanta gente, gosta que o jogo seja (e aparente ser) claro, justo e transparente.

Por partes. O que é que Olhanense, Cova da Piedade, Atlético, Fátima, Penafiel, U. Leiria, Montijo, Estoril Praia, Os Belenenses, Beira-Mar, Vilafranquense, Leixões, Freamunde, Sintrense, AD Oliveirense, U. Madeira, Lusitano Évora, Torreense ou D. Aves (entre tantos outros) têm em comum? Resposta: a dado momento das suas histórias, precisaram/quiseram mais liquidez. Ora, uma das soluções para ter mais dinheiro é recorrer a investidores (pessoais ou empresariais, nacionais ou internacionais), o que obviamente não é crime. De todo. A questão, reforçada por exemplos recentes, é que a opção tem geralmente um custo elevado: quem pede, tem que ceder o poder; quem dá, passa a assumir as rédeas. Percebe-se a fragilidade de uns e a visão empresarial de outros. Tudo certo.

Mas a partir daí, as regras deixam de ser as mesmas. Naturalmente. E é nesse momento que começam a aparecer os primeiros problemas. Os segundos, terceiros e quartos surgem mais tarde, quando os resultados desportivos desiludem e os incumprimentos crescem. É geralmente neste ponto que o conto de fadas dá lugar a um pesadelo interminável. A corda rebenta, quase sempre, para o lado mais vulnerável: o do clube-fundador, que não raras vezes desaparece ou é obrigado a recomeçar do zero, para mal da sua história e das suas gentes. Aparentemente, quer o regime jurídico em vigor, quer a regulamentação desportiva estabelecem (bem) regras claras quanto à forma como as duas partes devem funcionar, mas parece deixar algumas dúvidas legais quanto às penalizações a aplicar quando uma das partes claramente incumpre. Mais: não menciona a necessidade de se apurar qual a origem do dinheiro, quando o investidor é estrangeiro. Afinal de contas, de onde vem o capital? Isso é verificado? Não fará sentido que seja?

Hoje em dia, e sem prejuízo de honrosas exceções, não faltam exemplos de negócios que terminam em conflitos inconciliáveis, com versões desencontradas. Para a opinião pública, a soma de tanta controvérsia revela demasiada neblina, além de óbvias tensões, insultos e ameaças mútuas. Tudo atropelos à boa imagem da competição, o que se dispensa. Há não muito tempo, um histórico viu o seu bom nome associado ao drama das apostas ilegais; outro o seu investidor acusado de abuso de confiança fiscal; um terceiro chegou a entrar em campo com oito jogadores, vendo pairar sobre si, a nuvem da... máfia russa!! Aqui e ali vêm a público notícias sobre eventual branqueamento de capitais, lavagem de dinheiro e, pasme-se, alegações de tráfico humano (?!?).

A ideia que dá é que raramente sai coisa boa de uma relação que devia ser boa. A pergunta é: o futebol português tem mesmo que viver com isto? Quando é que tudo será regulamentado e verificado, a sério? Quem deve supervisionar? Quando e como? Mais importante, que mecanismos existem para se evitar que estes episódios se repitam, lançando suspeitas feias sobre a integridade das provas?